Por uma reescrita coletiva do conhecimento Sepake Angiama (Foto; Vanley Burke)

Por uma reescrita coletiva do conhecimento

A curadora Sepake Angiama fala sobre a importância de desaprender para reprogramar o aprendizado

Nathalia Lavigne

A curadora e educadora Sepake Angiama costuma citar com frequência como desaprender se tornou um dos processos mais importantes em sua formação. Comparando ao gesto da tecelagem, “um desenrolar e desvendar contínuos”, ela parte dessa ideia para reavaliar a origem de uma educação quase sempre moldada pelo patriarcado imperial, escravizado e baseado em classes, que nem sempre é fácil de diagnosticar. “Desaprender é um processo contínuo para mim. É pessoal e se estende às instituições também”, diz à seLecT.

Sepake Angiama foi curadora de Educação da documenta 14 e tinha recém-assumido a direção artística do Institute for International Visual Art (Iniva), em Londres, quando o lockdown foi decretado na cidade. Fundado em 1994 por Stuart Hall, criador do campo dos Estudos Culturais no Reino Unido, a organização se firmou como um dos espaços mais inclusivos na cena de arte contemporânea naquele país, dedicando-se especialmente a artistas da diáspora africana e asiática. Nesta entrevista, ela fala também sobre sua atuação como uma das curadoras da última Bienal de Arquitetura de Chicago, junto com Paulo Tavares, edição que dedicou grande atenção a São Paulo e uma sala especial à Ocupação Nove de Julho, no Centro da cidade.

A curadora e educadora é palestrante do encerramento do 3º Seminário seLecT de Arte e Educação, transmitido ao vivo na terça-feira, 22/9, às 16h, na plataforma da seLecT no Youtube. O seminário é a terceira etapa do Prêmio seLecT de Arte e Educação, uma iniciativa organizada pela revista seLecT desde 2017, criada para valorizar e incentivar escolas, instituições de arte, espaços de ensino, projetos artísticos colaborativos e iniciativas inovadoras e experimentais que favoreçam os diálogos e os vínculos entre arte e educação. A terceira edição tem correalização do Itaú Cultural, apoio da galeria Almeida e Dale, parceria da galeria A Gentil Carioca e da Arapuru London Dry Gin.

seLecT: Você assumiu recentemente a função de diretora artística do Institute for International Visual Art (Iniva), em Londres. Quais os desafios de começar esse trabalho quando os museus já se encontravam fechados? 

Sepake Angiama: Acho que liderar uma organização de artes visuais é um desafio a qualquer momento. Mas fiquei bastante impressionada com a forma como a instituição pode se adaptar com flexibilidade e ainda encontrar maneiras de se manter próxima do público, embora agora digitalmente. A beleza desse momento é a expressão de uma abertura radical que talvez tenha permitido que importantes conversas acontecessem. Tivemos a oportunidade de trazer palestrantes e um público mais internacionais porque estávamos operando on-line. Mas também parece que há tanta conversa acontecendo que é difícil sintonizar e ouvir. Depois de seis meses trabalhando remotamente de nossas casas e longe da Biblioteca Stuart Hall, sentimos que é importante voltar à fonte, que é a inspiração para grande parte do nosso trabalho. Após todo esse tempo trabalhando só no mundo digital, estamos prontos para alguma atividade analógica. Estou sentido falta das visitas aos ateliês dos artistas, de visitar exposições e a oportunidade de encontrar pessoas aleatoriamente. Agora todos nossos movimentos são meticulosamente planejados: aonde você vai, com quem se encontra. Há um elemento de espontaneidade que se perde. Não podemos esquecer que grande parte do mundo da arte também opera no nível do boato e da fofoca. As conversas casuais são uma das mais produtivas e frutíferas para alimentar ideias.

Os protestos do Black Lives Matter (BLM), em maio, fortaleceram movimentos on-line como o #decolonizethismuseum e também aumentaram a cobrança sobre como as instituições de arte devem responder a essa questão. Por exemplo, grandes museus como o Metropolitan Museum of Art foram criticados por terem mencionado o movimento só algum tempo depois. Como você vê a forma com que os museus tem lidado com o tema do racismo e o que vocês têm procurado fazer na Iniva?

Em primeiro lugar, é importante reconhecer que o movimento BLM é parte de um continuum com raízes na primeira revolução importante na luta pela liberdade negra, no Haiti. Uma luta constante pelo reconhecimento e valorização da vida humana. Um chamado para acordar, uma postura conjunta, uma marcha contra todas as probabilidades de que a mudança não é apenas necessária, mas urgente. Temos que reconhecer o papel que os museus, em geral, desempenham na manutenção do status quo. Como todas as instituições, eles também alimentam uma cultura de dominação, detêm um status de poder e tudo o que visa ameaça-lo é menosprezado e silenciado. O trabalho de organizações de base, como BLM, mostrou que se pode criar um movimento de mudança em todo o mundo e as conversas que deveriam estar acontecendo estão finalmente acontecendo. O que importa, não é apenas o reconhecimento de vozes que foram marginalizadas, mas como compartilhar energia, tempo e recursos radicalmente para que nossas instituições reflitam as necessidades de nossa comunidade. Precisamos nos unir para ter conversas difíceis, encontrar novas intimidades – às vezes sem dizer nada, às vezes descobrindo o que significa fazer o trabalho. Queremos construir uma visão coletiva e uma missão compartilhada que reúna artistas e suas comunidades para perguntar o que queremos fazer juntos. Temos feito perguntas a nós mesmos e nos reunido com outras instituições de pequena escala, como nós, para fazer exatamente isso. A Iniva faz parte da Common Practice, que pretende ser um espaço onde podemos ter essas conversas. Por meio de alguns dos treinamentos que oferecemos para todos os funcionários, estamos procurando formar comitês de trabalho. Trata-se de defender em seu setor aqueles que você acredita que têm o poder e os recursos para fazer as mudanças. Acredito que as revoluções lentas podem ser tão radicais quanto uma virada brusca.

No início da pandemia, alguns museus dispensaram suas equipes do setor de educação, em vez de treiná-las para migrar as atividades para o on-line. Qual a sua opinião sobre esses episódios e o que acha que deveria ter sido feito?

Bem, este é definitivamente um momento difícil para tomar qualquer decisão. Acredito que cultura e educação combinadas constituem o ativo mais valioso para qualquer organização. Alguns podem dizer que a coleção é o patrimônio mais valioso, mas o que são esses espaços sem o diálogo e o engajamento com as histórias, narrativas e epistemologias que os cercam? Claro, podemos pensar em um milhão de possibilidades de como trabalhar com equipes de educação. Como educadora, tive dificuldade em me conectar com meus alunos on-line no início do isolamento, mas estamos explorando como pode existir uma intimidade digital nesse aprendizado. Abrimos caminho e, em alguns casos, acho que a conexão pelo menos entre os alunos ficou mais forte. Alguns encontraram maneiras de usar ferramentas de jogos para recriar ambientes analógicos. Agora, mais do que nunca, temos que centralizar o bem-estar em nossas vidas. Também precisamos desenvolver novas linguagens de cuidado, isso é algo que estou aprendendo com uma artista com quem estou trabalhando no momento, Jade Monseratt. Para realmente pensar na criação de uma infraestrutura de cuidado, é preciso considerar todos os aspectos do que significa ser um curador, um cuidado com a obra, um cuidado com o artista e também um cuidado com a linguagem e como nos comunicamos com o outro. Muitos foram sacrificados para salvar a instituição. É um equilíbrio fino e delicado de encontrar maneiras de sobreviver. Em alguns casos, se a instituição não puder ser revivida, sofreremos perdas em todos os aspectos.

Entre as iniciativas de museus, estão campanhas colaborativas em redes sociais, como desafios de desenhos ou pedindo às pessoas que reencenem versões de obras de arte em suas casas. Muitos estão reunidos na hashtag #betweenartandquarentine, criada pelo Rijksmuseum, mas seguida por outras instituições. Acredita que esse tipo de iniciativa é válida para democratizar a arte e torná-la coletiva?

Primeiro devemos perguntar se o objetivo dessas iniciativas é tornar a arte democrática e coletiva. Não sei sobre os programas específicos que você mencionou, mas uma das coisas que tenho gostado é a energia criativa coletiva que tem sido explorada em nossos vários locais e deslocamentos. E não me refiro apenas à atividade que museus e galerias oferecem. Sinto que, em alguns casos, no início do isolamento, as pessoas estavam se conectando de maneiras diferentes. Cozinhando, cuidando do jardim, dançando, lendo… Sinto que tem havido muita partilha e energia criativa, mas não para todos porque, como sabemos, o isolamento também revelou algumas disparidade e a iniquidade em nossa sociedade. Então é difícil falar do democrático ou do coletivo, quando já começamos a ver as fissuras que nos dividem.

A noção de desaprendizagem é algo que parece ter um papel muito importante na sua prática. Você poderia descrever a importância dessa ideia na educação?

Desaprender é um processo contínuo para mim. É pessoal e se estende às instituições também. Reconhece que nossa educação nasce do patriarcado imperial, colonial, escravizado e baseado em classes. Como você encontra sua voz em tudo isso? Quais são as histórias, narrativas e etimologias que nos foram negadas? Quem foi silenciado e por quem? De quem é a voz que você realmente carrega? Desaprender é como uma tecelagem – um desenrolar e desvendar contínuos, desvendando emaranhados que nos ajudam a valorizar e potencialmente até ver outras perspectivas diferentes das nossas. É pessoal porque reside no trauma de seu DNA. Então, para descobrir tudo isso, é preciso humildade, abertura, intimidade, encontrar outras maneiras de ser, de saber. Como diria Sylvia Wynter, seria necessária uma reescrita coletiva do conhecimento.

São Paulo foi uma das quatro cidades que teve destaque na terceira edição da Bienal de Arquitetura de Chicago, que teve uma sala dedicada à Ocupação Nove de Julho. Você poderia falar sobre a importância desse projeto para a concepção curatorial sobre narrativas apagadas de territórios?

Fiz parte da equipe curatorial da terceira Bienal de Arquitetura de Chicago que incluiu Yesomi Umolu (diretor artístico) e Paulo Tavares (co-curador) em 2017. Mas no ano que antecedeu a bienal nós planejamos um programa de pesquisa para alimentar os tópicos da exposição, educação e programa público chamado Unlearning Geographies. A pesquisa começou em Chicago e nos levou a São Paulo, Joanesburgo e Vancouver. Uma das questões abordadas em nossa pesquisa no Brasil era entender o que significa para um edifício ter o direito constitucional a uma função social. Como isso se manifesta e dá voz às pessoas que servem a cidade, mas não têm acesso a recursos para viver no centro. Conhecemos as mulheres mais incríveis do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), liderado por Carmen Silva, que concretizou seu direito de lutar por uma vida digna para comunidades e famílias de baixa renda do centro da cidade. O que aprendemos com Carmen e com o movimento é que o ativismo pode transformar a cidade e questionar o que significa ter direito a ela. Não como uma visão utópica, mas para que todos possam reconhecer o que significa ser poderoso como uma massa crítica que rearticula a cidade como forma de pedagogia a ser negociada e transformar as pessoas.

Educar é mais importante do que colecionar O artista Luis Camnitzer em retrato de 2012 (Foto: Divulgação)

Educar é mais importante do que colecionar

Palestrante do 3º Seminário seLecT de Arte e Educação, Luis Camnitzer fala sobre a urgência de repensar a função dos museus

Nathalia Lavigne

Usar a arte para estabelecer conexões a partir de um fazer coletivo esteve desde sempre entre as principais abordagens do artista, crítico e pedagogo Luis Camnitzer. Sua frase-instalação “O Museu é uma Escola: o artista aprende a se comunicar, o público aprende a estabelecer conexões” resume alguns dos aspectos fundamentais em sua trajetória de mais de cinco décadas. Idealizada em 2009 e exibida desde 2011 em fachadas de mais de 20 instituições, entre elas o Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 2016, a instalação é um dos trabalhos mais conhecidos do artista nascido na Alemanha (1937), criado no Uruguai e radicado em Nova York desde 1964. Foi lá que iniciou sua produção como integrante do coletivo The New York Graphic Workshop (1964-1970), e junto com outros latino-americanos imigrantes como Liliana Porter e Luis Felipe Noé explorou técnicas democráticas de impressão e a combinação entre imagem e palavra.

Desde então, Camnitzer construiu uma obra múltipla e em diversas frentes, mas que muitas vezes levam a uma mesma conclusão: “O que falo é quase sempre igual: que a arte e a educação, quando bem compreendidas, são mais ou menos a mesma coisa”, afirma à seLecT. Nesta entrevista, ele comenta sobre o desmantelamento das estruturas comunitárias, reforçada pelo atual contexto, e do papel da arte como um instrumento utópico de sobrevivência.
O artista é o palestrante inaugural do Seminário seLecT de Arte e Educação, que será transmitido ao vivo na plataforma da seLecT no Youtube: youtube.com/c/selectartbr. Na palestra The New Man, na terça feira 15, às 16h, ele fará uma recontextualização para os dias de hoje das ideias de Che Guevara sobre arte e sociedade.
O seminário é a terceira etapa do Prêmio seLecT de Arte e Educacão, uma iniciativa organizada pela revista seLecT desde 2017, criada para valorizar e incentivar escolas, instituições de arte, espaços de ensino, projetos artísticos colaborativos e iniciativas inovadoras e experimentais que favoreçam os diálogos e os vínculos entre arte e educação. A terceira edição tem co-realização do Itaú Cultural, apoio da galeria Almeida e Dale, parceria da galeria A Gentil Carioca e da Arapuru London Dry Gin.

seLecT: Começo com uma pergunta genérica, mas inevitável nesse contexto: como tem passado nesses últimos meses e que impacto acredita que essa pandemia terá tanto na produção da arte atual quanto em novas formas de percepção artística?
Luis Camnitzer: Entre os trabalhos artísticos que tenho visto, noto muito uma produção realizada coletivamente como um quebra-cabeças, especialmente na música e na dança, criadas com vários participantes em fragmentos individuais, desde suas casas, e depois editadas para formar um todo coerente. É algo muito engenhoso, um pouco como os contos e poemas ao estilo dos “cadáveres esquisitos” surrealistas. Mas, a longo prazo, esse é também um formalismo um pouco cansativo. De forma geral, acho que há uma tendência, inclusive um perigo, de dar primazia à introspecção. Existe a possibilidade de perdermos de vista nosso compromisso social com uma comunidade com a qual só devemos ter um contato mediado. Estou, por exemplo, fazendo muitas coisas por Zoom e noto que é como falar para o vazio. Não há como perceber a linguagem corporal do público, nem mesmo uma risada quando alguém faz uma piada. Tudo isso dá a impressão que o universo se limita às quatro paredes da casa e que as angústias pessoais são mais importantes que o bem comum. Dentro de alguns anos, saberemos se isso terá um efeito duradouro ou não e quais os efeitos na arte.

Versão de O Museu É uma Escola no Matadero, Madri, em exposição de 2015 (Foto: Divulgação)


Em seu ensaio O Museu É uma Escola, o senhor afirma que a função de uma obra de arte é nos apresentar não apenas algo que não conhecemos, mas também o que não é conhecível. Acha que esse papel é ainda mais importante hoje, quando o mundo, como o conhecíamos, desapareceu?
A arte é útil para especular e explorar tudo sem limites. A sociedade e seus sistemas de ensino nos fazem acreditar que o que importa é saber memorizar o que já se sabe e, depois, ver o que se pode deduzir desse conhecimento. Com a arte, por outro lado, podemos saltar no vazio e viajar por aquele campo que geralmente é descartado como algo negativo e que chamamos de “ignorância”. No entanto, esse campo, bem compreendido, é justamente onde existem coisas que ainda não têm nome e, portanto, são livres. É o que chamamos de “mistério”, uma palavra arruinada pela religião porque tenta manter o mistério encerrado em seus dogmas. Na arte, mistério é algo que nada tem a ver com obscurantismo; é o estímulo que nos faz imaginar continuamente para desvelá-lo. É por isso que a arte é uma metadisciplina do conhecimento e não apenas uma forma de produzir objetos.

Muito se comentou, no início da pandemia, o fato do MoMA-NY e outros grandes museus terem demitido suas equipes do setor educativo, ao invés de treiná-los para migrar as atividades para o on-line. Qual a sua opinião sobre esses episódios? Como adaptaria algumas de suas ideias sobre o papel pedagógico dos museus para o mundo digital?
Este é o momento de reconceitualizar a função dos museus e assumir a responsabilidade de que educar é mais importante do que colecionar. O que a maioria dos museus está tentando fazer é preservar o passado em um formato reduzido e com o mínimo de perdas possível, ao invés de enfrentar o desafio de uma situação sem precedentes em nossa memória, que nos oferece a oportunidade de olhar para essa nova realidade como um marco zero. O que o MoMA fez é reacionário, estúpido e cego, se tentarmos olhar para o futuro. É o momento de reeducar a equipe curatorial para assumir responsabilidades pedagógicas e ampliar sua equipe pedagógica, e não de apagá-la. É hora de redesenhar a comunicação com o público e deixar de ser a única organização centrípeta tradicional para ser igualmente centrífuga, com diálogos criativos de mão dupla. A missão de um museu não deve ser fazer com que o público conheça as obras que tem ou expõe, mas sim ajudar o público a ser um agente criativo, que ajude na construção de uma sociedade melhor.

Entre as iniciativas feitas por museus, nesse período, estão as campanhas colaborativas em redes sociais, como pedidos para que as pessoas reencenassem em suas casas versões de obras de arte conhecidas. Muitas estão reunidas na hashtag #betweenartandquarentine, criada pelo Rijkmuseum, da Holanda, e copiada por outras instituições. Como vê essas iniciativas? Acredita que são válidas como formas de interlocução e tentativa de tornar a arte democrática e coletiva?
A recriação performática de obras de arte produz resultados divertidos, mas conceitualmente isso nada mais é do que um refinamento do consumo de obras de arte, semelhante ao ato de copiar uma pintura famosa. É algo que provavelmente será útil para as relações públicas das instituições, mas duvido que tenha algum impacto na democratização da arte. Pode divertir como espetáculo, mas não acredito que gere novos conhecimentos.

A Bienal do Mercosul foi um dos eventos que precisou cancelar as exposições, levando suas atividades para o espaço digital. A apresentação dos trabalhos não me parece ter funcionado bem na plataforma criada, mas houve um esforço grande de se criar uma programação educativa on-line. Como vê essas transformações depois de ter realizado a curadoria pedagógica na 6ª edição desta bienal, em 2007?
Infelizmente não tive a oportunidade de acompanhar esta Bienal do Mercosul. Sou amigo de Andrea Giunta há muitas décadas e tenho total confiança em seu trabalho. Com esta edição, em particular, a situação era difícil porque a pandemia começou quando a bienal já estava planejada. Mas diria que em geral as bienais estão enfrentando problemas similares aos museus, com a tentação de resgatar os formatos do passado e transferi-los para as telas dos computadores, ao invés de buscar um novo começo a partir da crise. Quanto trabalhei na 6ª Bienal (2006-7) com Gabriel Pérez-Barreiro, tínhamos consciência que o formato tradicional das bienais era obsoleto e tratamos, ainda que timidamente, de criar uma situação relacionada com o conhecimento ao invés do consumo. Enfatizou-se a formulação e solução de problemas, a participação da escola neste processo e a educação pública por parte do público. Quando aceitei o cargo de curador pedagógico, foi com a condição de que a equipe funcionasse permanentemente e não vinculada a cada bienal. A diretoria acatou as condições, mas infelizmente não as cumpriu, e a bienal voltou a depender da boa vontade do curador-chefe em cada uma de suas edições. Algumas bienais, portanto, se preocuparam com a parte pedagógica e outras com o estrelato curatorial. Perdeu-se a continuidade pedagógica e a possibilidade de se adaptar construtivamente às circunstâncias e, assim, minimizar o impacto das crises.

Gostaria que comentasse um pouco sobre o tema da palestra The New Man, que trata da recontextualização dos comentários de Che Guevara sobre arte e sociedade.
Talvez por causa da quarentena comecei a revisar minha própria formação de uma forma introspectiva e encontrei esse texto de ‘Che,’ que foi uma carta escrita ao diretor de um jornal para o qual eu estava trabalhando na época, o semanário uruguaio Marcha. [O texto deu origem ao livro Socialist and Man in Cuba, 1965]. Isso coincidiu com minha preocupação com o isolamento individualista produzido pela quarentena. Já se passaram seis meses. Tirando poucas e cuidadosas interrupções, vivo confinado. É uma espécie de prisão domiciliar. Isso me fez revisar meu conceito de “experiência” e contrapor ao que chamo de “in-periencia”, que é uma forma de usar o interno para processar o externo em forma de militância social. Em tudo isso há convergências e divergências com o que Che mencionou sobre arte e me pareceu um tema interessante para que pessoas mais capazes do que eu elaborem melhor mais tarde. Gostaria muito de poder ler mais material sobre isso.

Em um texto para o catálogo da VI Bienal de Havana (1977), o senhor menciona algo semelhante, sobre o desmantelamento das estruturas comunitárias e a destruição da noção de nós. Como falar sobre isso no atual contexto?
Relendo esse texto, 23 anos depois, parece que a situação é muito pior. Aos poucos, está se instalando o que chamo de “palhaçocracia” nos governos – mas com pessoas medíocres até como palhaços, pois não conseguem fazer ninguém rir. São pessoas que vivem em uma cápsula narcisista e não entendem que existe um “nós”, e que quem está trabalhando em um governo é contratado para alimentá-lo e apoiá-lo. No contexto atual, isso se tornou mais agudo. Estar em situação de quarentena, rompê-la (ou pelo menos não usar máscara), agindo fisicamente sobre o “nós”, é uma forma de contaminar e destruir a comunidade. Ao respeitá-la, ficamos isolados e o “nós” se torna virtual, corre-se o risco de se tornar uma memória nostálgica. A resistência, como escrevi naquela época, está em manter a consciência utópica de sobrevivência, não aceitar a possibilidade de derrota e usar a arte como instrumento de manutenção da saúde mental.

Educação como “saída de emergência” Saída de Emergência, projeto de Andréa Hygino premiado na categoria Camisa Educação do 3º Prêmio seLecT de Arte e Educação

Educação como “saída de emergência”

De Andréa Hygino e Luiza Coimbra, projeto premiado na categoria Camisa Educação do 3º Prêmio seLecT de Arte e Educação, é uma resposta ao desmonte educacional em vigor no Brasil

Luciana Pareja Norbiato

Antes de entrar no curso de Artes Visuais da UERJ em 2010, Andréa Hygino Rodrigues da Silva era estudante de violão e nunca tinha cogitado a possibilidade de ser artista. “Na época da graduação, eu morava em Anchieta, um bairro que é a divisa do Rio de Janeiro com a Baixada Fluminense. Lá não tem tanto acesso à programação cultural, é tudo mais distante. Eu queria aprender algo que tivesse a ver com criatividade”, explica. Do bacharelado até vencer o 3º Prêmio seLecT de Arte e Educação na categoria Camisa Educação, muita coisa mudou na vida da carioca de 28 anos.

“Geralmente, o que se conhece de arte no colégio é algo mais histórico… modernismo, impressionismo. E os alunos da UERJ são de bairros mais distantes e da Baixada”, conta. A faculdade trouxe a quebra de paradigmas estéticos, a imersão no universo da arte contemporânea e a também aluna Luiza Coimbra Paranhos Cavalcanti de Paiva, 29. Mais do que uma colega de aulas, Luiza se tornou a dupla de Andréa no coletivo sem nome pelo qual realizam os trabalhos da série Corpo Dissente. Assim mesmo, com dois “s”, numa alusão a alunos e sensibilidade, seja do corpo, do aprendizado ou da situação atual da educação no Brasil. 

A série, iniciada em 2017 para a ocupação da Galeria Candido Portinari, da UERJ, durante uma crise que culminou em greve, migrou no mesmo ano para o Centro Municipal de Arte Helio Oiticica, na exposição Panelas de Pressão Também Sibilam. A curadoria de Fernanda Pequeno expunha a situação problemática da universidade estadual. 

Utilizando recursos gráficos para intervir na imagem da carteira escolar como mesa, Corpo Dissente virou lambe, entrou em outras mostras, foi para as ruas em protesto. Finalmente, as artistas elaboraram duas versões do trabalho para inscrição no 3º Prêmio seLecT de Arte e Educação, na categoria Camisa Educação, que é fruto de uma parceria entre a seLecT e a galeria A Gentil Carioca, desde 2018. 

O projeto inscrito por Luiza também foi finalista. Mas o vencedor é Saída de Emergência, de Andréa Hygino, que alude à construção de uma escada a partir da fragmentação de uma carteira escolar. “Quando fiquei sabendo do prêmio no ano passado, já deixei no meu radar, queria participar neste ano de qualquer jeito. Uma camiseta é o suporte perfeito, porque nossa ideia é que o projeto esteja nas ruas”, diz Andréa. 

Reação ao desmonte
Ambas amigas sentem na pele o descaso com educação que o Brasil vem enfrentando: as duas são professoras de artes – e também filhas de professoras. Andréa, que é Mestra em Linguagens Visuais pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRJ (2017), leciona desenho na Escola de Belas Artes da mesma universidade, mas adquiriu boa parte de sua experiência no projeto Vinde a Mim, em que dava oficinas de arte para alunos de baixa renda de 6 a 14 anos no bairro da Tijuca. Como docente universitária, percebe que o fato de ser negra a coloca num papel importante: “Vejo alunos que se impressionam com o fato de ter uma professora negra e se sentem representados, sentem que podem conversar mais abertamente comigo. Isso é muito bom, embora uma mulher negra ainda seja minoria entre os docentes”.

Luiza dá aulas no tradicional Pedro II, instituição pública fundada em 1837. “Como o Colégio é federal, tem material e sala de artes, enquanto existem escolas municipais onde não há nem papel para desenhar. Mas eu tenho que ver um a um os desenhos dos alunos, e são 40 por turma, então levo uma aula inteira para ver todos, por exemplo. Existe uma variedade de realidades muito grande entre os alunos, tem desde o morador do Leblon até aquele que vem de Maricá, que nem sei como consegue chegar no horário na aula”, conta Luiza.

Corpo Dissente é uma resposta ao estado de coisas educacional em vigor no Brasil. “Há um projeto efetivo e gradual de desmonte em curso: os livros são taxados, corta-se verba do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), vai-se minando o setor aos poucos”, diz Andréa Hygino. Agora, seu projeto dá voz ao descontentamento de quem a veste, na forma de uma Camisa Educação, que será produzida pela galeria A Gentil Carioca e lançada durante o Abre Alas de 2021.

O Prêmio seLecT é uma iniciativa organizada pela revista seLecT desde 2017, criado para valorizar e incentivar escolas, instituições de arte, espaços de ensino, projetos artísticos colaborativos e iniciativas inovadoras e experimentais que favoreçam os diálogos e os vínculos entre arte e educação. A terceira edição tem co-realização do Itaú Cultural, apoio da galeria Almeida e Dale, parceria da galeria A Gentil Carioca e da Arapuru London Dry Gin.
Programação do 3º Seminário de Arte e Educação

Programação do 3º Seminário de Arte e Educação

Com palestras de Luis Camnitzer, Dora Longo Bahia, Tainá de Paula e Sepake Angiama, o evento virtual é a última etapa de seleção do 3º Prêmio seLecT, em que os onze finalistas apresentam seus trabalhos 

Cerca de 700 artistas e formadores de 26 estados brasileiros se inscreveram no 3º Prêmio seLecT de Arte e Educação entre 1º de junho e 31 de julho de 2020. Duas fases de seleção dos projetos já ocorreram, restando apenas a última delas. Trata-se do 3º Seminário seLecT de Arte e Educação, que ocorre nos dias 15, 16, 17 e 22 de setembro, virtualmente, pelas plataformas digitais da revista seLecT. No evento, serão apresentados e discutidos os onze trabalhos finalistas e ocorrerão palestras de pesquisadores convidados. Gratuito, o seminário é voltado para estudantes, artistas, pesquisadores, outros interessados e especialistas da área.

Na primeira fase de avaliação do 3º Prêmio seLecT, coube à Comissão de Seleção, formada por Luana Fortes, Moacir dos Anjos, Renata Bittencourt e presidida por Giselle Beiguelman, pré-selecionar 23 projetos – 20 das categorias Artista e Formador e 3 da categoria Camisa Educação –, dentre os inscritos. Na segunda fase, as obras pré-selecionadas pela Comissão de Seleção foram conhecidas, analisadas e discutidas pela Comissão de Premiação, também presidida por Giselle Beiguelman, integrada por Diane Lima, Heloisa Buarque de Hollanda, Paula Alzugaray e Valéria Toloi, que selecionaram o vencedor da categoria Camisa Educação e os onze projetos finalistas – cinco na categoria Artista e cinco na categoria Formador – a serem apresentados pelos proponentes na terceira fase.

Como abertura do seminário, que acontece na terça-feira 15 de setembro, às 16 horas, a palestra The New Man, com Luis Camnitzer, em que o artista, curador e professor procurará recontextualizar para os dias de hoje os comentários feitos por Che Guevara sobre as relações entre arte e sociedade. No mesmo dia, às 17 horas, acontece também a palestra Arte e Educação: Relação ou Contato – a Articulação de Zonas de Irresponsabilidade como Princípio de Formação Artística, com a artista e professora Dora Longo Bahia. Ambas mediadas pelo pesquisador Cayo Honorato, as palestras serão transmitidas ao vivo pelos canais do YouTube e do Facebook da revista seLecT, com tradução simultânea e interpretação em libras. 

Nos dias 16 e 17 de setembro, quarta e quinta-feira, das 16 às 18 horas, os onze proponentes finalistas apresentarão seus projetos, de maneira mais detalhada, aos membros da Comissão de Premiação e ao público. Essas apresentações ocorrerão via sala de videoconferência no Zoom e poderão ser assistidas de forma simultânea e gratuita mediante inscrição prévia (Para se inscrever, clique aqui para as apresentações dos artistas e aqui para as apresentações dos formadores!). As gravações dessas apresentações também serão disponibilizadas nas redes da revista seLecT e do Prêmio seLecT na sexta-feira 18/9.


Na terça-feira da semana seguinte, 22 de setembro, às 16 horas, acontecem as palestras de encerramento do Seminário, com a curadora e educadora Sepake Angiama e com a arquiteta e urbanista, ativista das lutas urbanas e mobilizadora popular Tainá de Paula, também mediadas por Cayo Honorato e transmitidas ao vivo pelos canais da revista seLecT no YouTube e no Facebook, com tradução simultânea e interpretação em libras. Logo depois, às 18 horas, acontece, enfim, o anúncio dos premiados do 3º Prêmio seLecT de Arte e Educação, nas categorias Artista e Formador, que receberão R$ 20.000,00 cada um, a dupla premiada já divulgada Andréa Hygino e Luiza Coimbra da categoria Camisa Educação, que terá seu projeto executado e lançado pela Galeria A Gentil Carioca e os premiados da mais nova categoria Arapuru.  

O Prêmio seLecT tem a satisfação de anunciar a grande novidade desta edição, uma nova categoria de premiação em dinheiro, graças ao apoio do Arapuru London Dry Gin. Para o desenvolvimento futuro dos projetos finalistas do Prêmio seLecT, a marca de bebidas destinará o valor de R$6.000,00 para um artista finalista e de R$6.000,00 para um formador finalista, que serão distribuídos periodicamente, a partir de um percentual extraído da venda de garrafas. Os dois premiados nesta categoria também serão escolhidos pelo Júri de Premiação.

 

Conheça os palestrantes

Luis Camnitzer é artista, curador e professor. Nascido na Alemanha em 1937, emigrou para o Uruguai com apenas 1 ano de idade. É graduado em escultura pela Escola Nacional de Belas Artes da Universidade da República do Uruguai. Já recebeu prêmios importantes, como o Prêmio Frank Jewitt Mather (2011), da College Art Association dos Estados Unidos, o Prêmio Grabador Emérito (2011), da Southern Graphic Conference International, e o Prêmio USA Ford Fellow (2012). Suas obras integram coleções como as do MoMA-NY, a do Museu Reina Sofía, em Madri, e a da Tate Gallery, em Londres. Participou de exposições como a Bienal de Veneza, a Bienal de São Paulo e do Museu Reina Sofía. Além disso, foi curador de artistas emergentes no The Drawing Center, em Nova York, de 1999 a 2006, curador pedagógico da 6ª Bienal do Mercosul, curador pedagógico da Fundação Iberê Camargo, de 2007 a 2010, e assessor pedagógico da Coleção Patricia Phelps de Cisneros. Atualmente, vive e trabalha em Nova York, onde atua como professor emérito da Universidade do Estado de Nova York.

Dora Longo Bahia é artista e doutora em Poéticas Visuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), com pós-doutorado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP). Atualmente, é professora no Curso de Artes Visuais da ECA-USP e coordenadora do grupo de pesquisa Depois do Fim da Arte. Suas obras se desdobram em vários suportes, como pintura, fotografia, instalações sonoras, filmes e livros. A partir do fim dos anos 1980, quando se graduou em Educação Artística pela Faap, participou de exposições e festivais nacionais e internacionais e recebeu diversos prêmios. Entre eles, o 7º Prêmio Marcantonio Vilaça, em 2019, e a Bolsa Zum/IMS, em 2016. Participou, em 2019, da Bienal Sur, em Buenos Aires, em 2018, da 9ª Bienal de Busan-Divided We Stand, na Coreia do Sul, e do 35º Panorama da Arte Brasileira, em 2017. 

Sepake Angiama é diretora artística do Institute for International Visual Art em Londres. Atua como curadora e educadora, cuja práxis se encontra no âmbito discursivo e social, a fim de reescrever coletivamente o entendimento sobre o mundo. Isso a inspirou a trabalhar com artistas que perturbam e provocam aspectos da esfera social por meio de ações e outras formas radicais de pedagogia e arquitetura. Quando coordenadora de Educação da Documenta 14, deu início ao projeto Under the Mango Tree – uma reunião auto-organizada de práticas de desaprender. A segunda edição (Visva Bharati, Santineketan) reuniu espaços geridos por artistas, livrarias e escolas interessadas no desenvolvimento de discursos em torno da descolonização de práticas educativas que desestabilizam o cânone europeu, por meio da análise de epistemologias alternativas, noções de desaprender e conhecimentos indígenas. A próxima edição do projeto Under the Mango Tree ocorrerá em Porto Rico, em 2022, com foco em epistemologias indígenas, aprendizagem land based e artesanato. Angiama foi também coordenadora de Educação da Manifesta 10, no Hermitage Museum, em São Petersburgo. Sua pesquisa Her Imaginary endereça como a ficção científica, o feminismo e formas sociais de arquitetura podem aproveitar as ferramentas perfeitas para capturar uma pedagogia da imaginação social e política.

 

Tainá de Paula é arquiteta e urbanista, ativista das lutas urbanas. Atuou em diversos projetos de urbanização e habitação popular, realizando assistência técnica para movimentos de luta pela moradia como União de Moradia Popular (UMP) e Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST). Hoje presta assistência para o movimento Bairro a Bairro, onde atua como arquiteta e como mobilizadora comunitária em áreas periféricas.

Cayo Honorato é professor no Departamento de Artes Visuais da Universidade de Brasília, doutor em Educação pela Universidade de São Paulo, mestre em Educação e bacharel em Artes Visuais pela Universidade Federal de Goiás. Integra a rede Another Roadmap for Arts Education desde 2015. É pesquisador associado do Centre for the Study of the Networked Image da London South Bank University, no Reino Unido, desde 2018.

 

Conheça a dupla premiada da categoria Camisa Educação

Andréa Hygino e Luiza Coimbra (Rio de Janeiro, RJ) propuseram para a categoria especial Camisa Educação o projeto Saída de Emergência, que relaciona a educação à imagem de uma escada ascendente.

 

Conheça os finalistas

ARTISTAS

Anápuáka Muniz Tupinambá Hã hã hãe (Rio de Janeiro, RJ) inscreveu o “YBY Festival de Música Indígena Contemporânea”, um projeto que promoveu mais de 30 apresentações musicais indígenas, realizado em novembro de 2019 por um grupo de comunicadores, produtores, músicos e ativistas da causa indígena, que reuniu mais de 3 mil pessoas de mais de 50 etnias.

Anne Magalhães (São Paulo, SP) inscreveu o “Arte na Janela”, um projeto que pretende forçar os limites e encontrar os alinhamentos possíveis entre as artes do corpo e a língua dos sinais, por meio do registro e publicação de interpretação de músicas e poesias. 

Antonio Tarsis de Jesus Miranda (Salvador, BA) inscreveu “Genocídio Simbólico”, uma série de objetos e bordados que tratam sobre o apagamento do aspecto bélico e da simbologia de extermínio presente em brasões militares em oposição à imagem da segurança pública.

Gustavo Caboco (Curitiba, PR) inscreveu “Baaraz Kawau – Campo após o fogo”, uma publicação de fundo autobiográfico feita em resposta à atualização da memória dos povos Wapichana como uma proposta de diálogo com as atualidades indígenas. 

Renata Aparecida Felinto dos Santos (Crato, CE) inscreveu “AMOR-Tecimento”, um trabalho de oficina com culminância em uma performance que busca resgatar o olhar amoroso e empático sobre os corpos de pessoas negras.  

 

FORMADORES

André Vitor Brandão da Silva (Petrolina, PE) inscreveu “Mostra Flutuante de Artes Visuais”, um espaço de formação de artistas e de públicos no Vale do São Francisco organizado em torno de uma exposição feita em um barco que transita entre as margens de Petrolina e Juazeiro.

Eduarda Gama Canto (Cachoeira, BA) inscreveu “De Hoje a Oito”, um programa literário de rádio e podcast construído envolvendo escritoras/es do Recôncavo da Bahia e promovendo o engajamento com fazedoras/es culturais da região.

Galeria REOCUPA (São Paulo, SP) inscreveu “O que não é floresta é prisão política”, exposição coletiva realizada na Ocupação 9 de Julho, feita através de trocas e convívios entre uma rede de artistas, integrantes do Movimento Sem Teto do Centro e moradores da Ocupação.

Lara Ovídio de Medeiros Rodrigues (Baixada Fluminense, RJ) inscreveu “Revista VAN”, uma publicação semestral que surgiu da necessidade de produzir imagens de moda que dialoguem com a Baixada Fluminense e compila imagens realizadas pelos estudantes do Curso Técnico de Produção de Moda na disciplina Editoriais de Moda. 

Tarcisio Almeida (Salvador, BA) inscreveu “Práticas Desobedientes”, um programa de formação para jovens artistas com foco em aprendizagem coletiva e pedagogias libertárias, fruto das ações de extensão da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

Vicenta Perrotta Neto (São Paulo, SP) inscreveu “Arte, Cultura e Costura”, projeto de formação idealizado em parceria com o Coletivo Ateliê TRANSmoras e o Instituto Tomie Ohtake, em busca por linguagens que estimulem o desenvolvimento pessoal e o autoconhecimento de mulheres em situação de vulnerabilidade social.

 

SERVIÇO
3º Seminário seLecT Arte e Educação
15, 16, 17 e 22 de setembro, das 16h às 18h, online

  • Palestras de abertura com Luis Camnitzer e Dora Longo Bahia – 15/9 (terça-feira), das 16h às 18h, via plataformas digitais da revista seLecT
  • Apresentações de finalistas – 16/9 (quarta-feira) e 17/9 (quinta-feira), das 16h às 18h, via Zoom, com inscrições pelo Sympla (link para apresentações dos artistas | link para apresentações dos formadores)
  • Palestras de encerramento com Sepake Angiama e Tainá de Paula – 22/9 (terça-feira), das 16h às 18h, via plataformas digitais da revista seLecT
  • Anúncio de premiados – 22/9 (terça-feira), das 18h às 18h30, via plataformas digitais da revista seLecT
Os espaços da educação

Os espaços da educação

Os 11 finalistas do 3º Prêmio seLecT mostram que, a despeito dos sucessivos cortes orçamentários para a pesquisa, artistas-educadores e educadores-artistas reinventam espaços de atuação

A lista de finalistas do 3º Prêmio seLecT de Arte e Educação revela diferentes estratégias de ocupação dos territórios simbólicos do País, por meio de projetos que discutem questões de raça, gênero e problemas sociais, como a moradia. 

Em conjunto contemplam as demandas pela criação de repertórios para o reconhecimento e inserção política e cultural das matrizes e estéticas indígenas, do lugar das pessoas com deficiência, da problematização das violências de gênero e raça e da construção dos territórios do Comum e da vida compartilhada. Na sua diversidade, eles propõem também novas abordagens para a ocupação do espaço geopolítico brasileiro por corpos plurais. Com representantes dos mais diversos lugares do País, da Baixada Fluminense ao Crato (CE), passando pela Ocupação 9 de Julho (SP) e Curitiba, o Prêmio consolida nesta edição a sua expressão nacional.

A qualidade dos projetos e a radicalidade das propostas, especialmente no que tange aos formadores, levou o Júri de Premiação a indicar seis projetos, em vez de cinco, ao Prêmio dessa categoria. Formado por Heloisa Buarque de Hollanda (professora e crítica literária), Valeria Bazarghi Toloi (arquiteta e gerente do Núcleo de Educação e Relacionamento do Itaú Cultural), Diane Lima (curadora independente e pesquisadora) e Paula Alzugaray (curadora do Prêmio seLecT de Arte e Educação), e presidido por Giselle Beiguelman (artista e professora da FAU-USP), o Júri de Premiação deliberará sobre os premiados nas categorias Artista e Formador após as apresentações dos finalistas no Seminário que o 3º Prêmio seLecT de Arte e Educação promove em setembro.

Principal diferencial do Prêmio em relação aos outros da área, o Seminário seLecT de Arte e Educação é uma importante etapa do processo de seleção, servindo não apenas como momento de apresentação, aprofundamento e discussão dos 11 trabalhos selecionados pelo Júri, mas também, e principalmente, como espaço de trocas entre os participantes e o público. O projeto premiado na categoria especial Camisa Educação, realizada em parceria com a Gentil Carioca, será divulgado no encerramento do Seminário, em 22 de setembro.

Com entrada franca, transmitido via site e redes sociais da seLecT, o Seminário é voltado a artistas, estudantes professores, pesquisadores, curadores e o público interessado. Integram o Seminário desta edição, como palestrantes, o artista e curador Luis Camnitzer, a professora e artista Dora Longo Bahia e a curadora e educadora Sepake Angiama. A mediação das palestras é de Cayo Honorato, pesquisador e professor da UnB.

Categoria especial do 3º Prêmio seLecT de Arte e Educação é a Camisa Educação, realizada em parceria com a Gentil Carioca, que já tem sua premiada definida: Andréa Hygino Rodrigues da Silva, cujo projeto foi feito junto com Luiza Coimbra.

O Prêmio seLecT de Arte e Educação é uma iniciativa organizada pela revista seLecT desde 2017, criada para valorizar e incentivar escolas, instituições de arte, espaços de ensino, grupos de estudo, projetos artísticos colaborativos e iniciativas inovadoras e experimentais que favoreçam os diálogos e os vínculos entre arte e educação.

O 3º Prêmio seLecT de Arte e Educação conta com o patrocínio do Itaú Cultural, correalizador do 3º Seminário de Arte e Educação, e apoio da Galeria Almeida e Dale.

Conheça os Finalistas:

ARTISTAS

Anápuáka Muniz Tupinambá Hã hã hãe (Rio de Janeiro, RJ) YBY Festival de Música Indígena Contemporânea

Anne Magalhães (São Paulo, SP) Arte na Janela 

Antonio Tarsis de Jesus Miranda (Salvador, BA) Genocídio Simbólico 

Gustavo Caboco (Curitiba, PR) Baaraz Kawau – Campo após o fogo

Renata Aparecida Felinto dos Santos (Crato, CE) AMOR-Tecimento 

 

CAMISA EDUCAÇÃO

Andréa Hygino Rodrigues da Silva e Luiza Coimbra (Rio de Janeiro, RJ) Saída de Emergência 

 

FORMADORES

André Vitor Brandão da Silva (Petrolina, PE) Mostra Flutuante de Artes Visuais

Eduarda Gama Canto (Cachoeira, BA) De Hoje a Oito 

Galeria REOCUPA (São Paulo, SP) O que não é floresta é prisão política

Lara Ovídio de Medeiros Rodrigues (Baixada Fluminense, RJ) Revista VAN 

Tarcisio Almeida (Salvador, BA) Práticas Desobedientes 

Vicenta Perrotta Neto (São Paulo, SP) Arte, Cultura e Costura 

Desobedecer é preciso

Desobedecer é preciso

Projetos indicados ao 3º Prêmio seLecT de Arte e Educação têm forte presença de mulheres e dominância de propostas não normativas

Os 23 selecionados do 3º Prêmio seLecT de Arte e Educação dão um recado ao País: a cultura resiste e se reinventa como frente disruptiva em contraposição a todas as formas de ignorância e desmonte institucional. Refletem a força dos corpos (e mentes) não normativos, colocando em pauta a diversidade racial e de gênero e a multiplicidade de vozes que emergem da complexidade territorial brasileira. 

São projetos que reinventam as matrizes africanas, as estéticas indígenas e as linguagens das pessoas com deficiências. Pela primeira vez, nas categorias Formador e Artista, a maioria dos projetos selecionados são de proponentes não brancos, com dominância de pretos (5), pardos (4) e indígenas (2). É notável também, entre esses selecionados, a forte presença das mulheres, especialmente na Categoria Formadores. 

Destaca-se, ainda, a preponderância de trabalhos feitos colaborativamente, em formatos auto-organizados, que evidenciam, por um lado, a desarticulação institucional e a debilidade das políticas públicas de arte e de educação e, por outro, a capacidade de mobilização do setor cultural nessas áreas. Em conjunto, todos se caracterizam por uma prerrogativa de tomar a arte como lugar da política e enunciam a desobediência como princípio de uma pedagogia da diferença. 

Os projetos indicados à premiação são fruto do trabalho do Júri composto pelo crítico e curador Moacir dos Anjos, a historiadora da arte, curadora e coordenadora de educação do Instituto Moreira Salles, Renata Bittencourt e a jornalista e curadora Luana Fortes, que analisou as propostas dos 689 inscritos nesta edição nas categorias Formador, Artista e Camisa Educação. A coordenação dos trabalhos foi feita por Giselle Beiguelman, presidente do Júri de Seleção e Premiação. A direção e curadoria do Prêmio seLecT de Arte e Educação é de Paula Alzugaray.A terceira edição do evento é patrocinada e co-realizada pelo Itaú Cultural, tem apoio da Galeria Almeida e Dale e parceria da Galeria A Gentil Carioca.  

Confira aqui a lista dos 23 projetos pré-selecionados.

ARTISTAS
Ana Emília Jung
Anápuáka Muniz Tupinambá Hã hã hãe
Andrea Veruska de Souza Araujo
Anne Magalhães
Antonio Tarsis de Jesus Miranda
Daniel Rodriguez Caballero
Gustavo Caboco
Micrópolis
Rafael Pagatini
Renata Aparecida Felinto dos Santos

CAMISA EDUCAÇÃO
Andréa Hygino Rodrigues da Silva
Luiza Coimbra Paranhos Cavalcanti de Paiva
Marcelo Drummond Lage

FORMADORES
André Vitor Brandão da Silva
Eduarda Gama Canto
Érika Lemos Pereira da Silva
Galeria REOCUPA
Janaína Castoldi
Lara Ovídio de Medeiros Rodrigues
Panmela Silva e Castro
Rúbia Mércia de Oliveira Medeiros
Tarcisio Almeida
Vicenta Perrotta Neto

“Arte e educação partilham algo essencial à emancipação”, Moacir dos Anjos

“Arte e educação partilham algo essencial à emancipação”, Moacir dos Anjos

 

A educação pela pedra (1965)
de João Cabral de Melo Neto

Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, freqüentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.

*
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.