Escolas de artistas: ali Cidade Tiradentes (Fotos: Ding Musa)

Escolas de artistas: ali

O projeto arte livre itinerante é uma escola nômade que estabelece vínculos em diferentes regiões da cidade de São Paulo

Leandro Muniz

Em uma série de reportagens, a seLecT apresenta escolas idealizadas e geridas por artistas nacionais e internacionais, históricos e em atividade. A especificidade desses projetos está na transformação dos modelos de ensino e de trocas, isto é, como os afetos e conhecimentos são transmitidos e como podem gerar novas dinâmicas de organização do espaço ou da economia desses centros de reflexão e prática.

ali (arte livre itinerante)
São Paulo, 2019

projeto ali em Cidade Tiradentes

Em meio à depressão com a vitória de Jair Bolsonaro como presidente da República, em 2018, e à efervescência cultural e de resistência da Ocupação Nove de Julho, os artistas Ana Prata, André Komatsu, Bruno Dunley, Ding Musa, Lucia Koch, Renata Lucas, Rodrigo Andrade, Sara Ramo, Wagner Morales e o cientista social Gustavo Vidigal passaram a elaborar um projeto de escola com estrutura nômade e flexível. A escolha do nome ali (arte livre itinerante), com letras minúsculas, indica o desejo do projeto de aproximar centro e periferia, assim como as diferentes experiências culturais e econômicas implicadas nesse deslocamento.

“Vários de nós já vínhamos com um pensamento de fazer uma escola. O projeto começou a surgir no grupo Jararaca, que era um grupo político que buscava apresentar propostas para o PT, como alternativa às políticas correntes. Logo depois da eleição nós nos reunimos para articular e projetar uma ideia de escola. Foi uma formação orgânica de pessoas que estavam querendo fazer algo” comenta o artista Bruno Dunley.

Entre as atividades do projeto ali estão programadas uma série de pinturas murais nas ruas de Cidade Tiradentes realizadas colaborativamente

A ideia central é que encontros como aulas, slams, festivais e obras produzidas colaborativamente nas ruas dos bairros sejam realizados em um processo de imersão de, pelo menos, dois anos em cada bairro-sede do projeto. O primeiro local a abrigar o ali é Cidade Tiradentes, um bairro-distrito de São Paulo projetado como cidade dormitório nos anos 1980 no qual reside uma população estimada de 220 mil habitantes. A artista Sara Ramo já vinha desenvolvendo projetos em parceria com moradores do local. A CT é um campo fértil de centros culturais auto organizados, coletivos artísticos, com uma cena de grafite que inclusive promove trânsitos internacionais, além de diversos saraus, etc.

Afeto e potencial cultural

Ramo foi uma das responsáveis pela ponte entre os artistas que estavam envolvidos com a cena da Ocupação Nove de Julho e a Cidade Tiradentes. “Cheguei há uns anos, porque tinha amigos de lá, em especial Aline De Fátima, que é artista também. Fizemos alguns projetos juntas e através dela conheci muitos articuladores da cena local como o Tom (Antonio Carlos Guerra) e o Luau Raiz Quadrada, que ele organiza há cerca de seis anos. Eu participava de atividades na Ocupação de forma paralela. Com os jovens da CT, mantinha uma relação de troca, íamos a exposições, peças de teatro, fazíamos reuniões em casa e apresentações de filmes. A Aline dirigiu o filme Lança, que discute o aumento do uso de lança perfume nas periferias da cidade e o Tom é a peça principal do documentário. Minha participação era de apoiadora e ajudava na divulgação, mas fiquei com vontade de apresentar o filme na Ocupação. Nesse mesmo momento, alguns artistas já estavam se reunindo com o desejo de fazer algo na periferia. Sempre tivemos vontade de que fosse na CT tanto por uma questão de afeto quanto pelo potencial cultural do lugar”, complementa a artista.

O jovem Antonio Carlos Guerra atua como um articulador local e um ativista das causas culturais em Cidade Tiradentes. Através do Luau Raiz Quadrada, começou sua relação e atuação com o projeto ali. “No aniversário de cinco anos do luau, alguns artistas vieram e marcamos uma reunião para começar a desenvolver um mapeamento e uma articulação com o local. Comecei a estabelecer uma ponte entre coletivos importantes em Cidade Tiradentes como o Red7, o Pombas Urbanas e outros e o ali. Está sendo incrível, porque todos os coletivos aqui estão começando a se juntar por um objetivo comum de colocar a periferia no mapa. É mais interessante a galera do centro vir pra periferia do que o contrário. Aqui tem um cena cultural muito forte, que deve ter maior recepção e abertura. Semanalmente, nos reunimos para pensar ações, porque existem coletivos aqui que atuam há dez anos. O ali está começando a conhecer a luta agora e pode ajudar dando suporte” diz Tom.

Coletivos da Cidade Tiradentes em atuação

Passaram-se quase doze meses de discussões e experiências de mapeamento de território entre a indignação inicial do grupo com a política nos últimos anos e o processo de implementação real do projeto ali, com suas estruturas burocráticas, equipes e parcerias. Longe de mera aterrissagem em território desconhecido, a chegada do ali a CT é resultado de um processo de articulação e integração com a comunidade, seus coletivos e centros culturais locais.

Contraponto à violência

“Existe uma imagem falsa criada sobre a periferia”, continua Tom. “Aqui existem muitos artistas, festivais. Esse é um dos maiores bairros da América Latina, com uma potência incrível, que deve ser enfatizada. A maioria dos coletivos aqui são independentes, não têm suporte, pouca gente ganha dinheiro, mas estamos trabalhando há muito tempo pelo desejo de ver outra realidade, fazer eventos e criar um contraponto para a violência”, complementa. A CT é um campo cultural rico, que potencializa a ideia central do projeto ali de criar trânsitos e diálogos entre diferentes artistas, com diferentes formações, etnias e classes sociais.

Oficina de pipa do projeto ali em Cidade Tiradentes

A estrutura da escola busca repensar modelos de aulas e de troca de conhecimentos, na medida em que encontros a céu aberto, aulas de história da arte e oficinas de pintura mural fazem parte de uma mesma dinâmica. Mas a própria estrutura organizacional do projeto tem um aspecto radical: todos os membros da equipe ganham o mesmo cachê, independentemente da função.

“Tem uma coisa bacana no ali, que é o desejo de ser radical na relação entre arte, educação e política”, diz Gustavo Vidigal, um dos idealizadores do projeto. “A gente se inspirou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage e na Bauhaus. Pensamos em atuar em bairros periféricos, em diálogo com a situação política do país. CT é um bairro fecundo porque, além da cena cultural rica, historicamente era um bairro de esquerda, que nos últimos anos perdeu para uma extrema direita. Temos posições políticas claras: atuar na periferia, fazer arte com educação, atuar em territórios vulneráveis, criar relações entre artistas e militantes e lutar contra hierarquias”.

Não se trata de um modelo colonizador, no qual o artista vai em uma comunidade impor sua cultura ou extrair elementos da cultura local, com suas evidentes assimetrias de capital simbólico e cultural – algo bem discutido no célebre texto O artista como etnógrafo do crítico norte-americano Hal Foster. Os artistas do ali estão submetidos a mesma dinâmica de aprendizado mútuo e colaboração que estabelecem com os espaços parceiros que abrigam os encontros e os participantes. A estrutura coletiva leva ao aprendizado mútuo e as múltiplas formas de captação e distribuição de recursos – vendas de múltiplos, doações, parcerias com o poder público, assim como com instituições privadas, galerias e colecionadores – faz pensar em outras relações econômicas possíveis.

O ali enfatiza a necessidade de espaços de liberdade em um momento de crise social e política com o qual a arte se vê muitas vezes entrincheirada, pelo mercado, por estruturas institucionais engessadas ou mesmo por uma mera instrumentalização. Arte livre itinerante conjuga o potencial de ser uma escola, um espaço de exposição, pesquisa e oxigenação das ideias de todos os participantes no projeto – alunos, professores, público e passantes. Para além de uma ação pontual e desenraizada, ainda tem o mérito de se pensar a longo prazo, como possibilidade de transformação. Vida longa ao ali!

Projeto ali em Cidade Tiradentes
Escolas de artistas : Escola da Floresta Escola da Floresta (2017, Foto: Divulgação)

Escolas de artistas : Escola da Floresta

O artista Fábio Tremonte propõe uma “pedagogia canibal” a partir de saberes de povos latino-americanos

Leandro Muniz

Em uma série de reportagens, a seLecT apresenta escolas idealizadas e geridas por artistas brasileiros e internacionais, históricos e em atividade. A especificidade desses projetos está na transformação dos modelos de ensino e de trocas: como os afetos e conhecimentos são transmitidos e como podem gerar novas dinâmicas de organização do espaço ou da economia desses centros de reflexão e prática.

Escola da Floresta
São Paulo, 2016

Desde seu período de formação, o artista Fábio Tremonte (1975) atua também como educador, tanto no sistema formal, quanto nos programas educativos de instituições e museus. Em 2016, ambas as práticas passaram a assumir fluxos mais intensos no projeto Escola da Floresta, que não tem nem programa fixo, nem estrutura definida, fazendo dos encontros e trocas os seus eixos centrais.

Em depoimento do próprio artista, a “escola é pensada como um espaço de compartilhamento, de encontro e de aprendizagem coletiva”, em ressonância com outras iniciativas que também buscam repensar os modelos de educação, compreendendo suas potências, para além da normatização do corpo e do pensamento.

O início

“A ideia de fazer uma escola veio depois das ocupações dos secundaristas, em 2015. As ocupações me chamaram a atenção por serem jovens cuidando do espaço, da programação e transformando os usos do lugar e suas dinâmicas sociais. Na mesma época, eu trabalhava em uma instituição cultural privada que mudou o nome do núcleo educativo por outro mais publicitário, retirando a ideia de educação em um momento político em que ela começava a ser sucateada. Eu já pesquisava cultura indígena e pensar uma escola que tivesse um ecossistema diverso de programação, que se alimenta de si mesmo e é aberto, me pareceu fundamental”, diz Tremonte à seLecT.

No momento de fundação da escola, também devemos contextualizar o início do golpe contra a presidente Dilma Rousseff e a agudização de uma instabilidade econômica no meio de arte, após alguns anos de aquecimento de mercado, profusão de editais e algumas iniciativas públicas e privadas, que abriram portas para diversos artistas e oxigenaram o sistema.

“Já vinha percebendo que meu modo de operar como artista e meu modo de operar como educador eram muito parecidos. Às vezes se confundiam, mas não intencionalmente, e quando percebi isso comecei a pensar em juntar as duas atividades. Já vinha fazendo trabalhos desde 2014 que educação e arte estavam juntos, sem limites claros entre elas”, complementa.

A Escola da Floresta reúne projetos anteriores de Tremonte, como a gráfica pública ou a produção de playlists temáticas ou encontros com outros artistas, todos reunidos em uma mesma proposta que está sempre aberta a colaborações e mudanças conforme novos parceiros se agregam.

Pedagogia canibal

A Escola da Floresta (2017) em uma das propostas de ocupação temporária de espaços (Foto: Divulgação)

Como um dos conceitos centrais da Escola da Floresta, a ideia de “pedagogia canibal” busca estabelecer situações em que se possa aprender com o outro, desde a troca de pesquisas, projetos colaborativos entre artistas, ou experiências culinárias e de deriva. Outros conceitos chave são “sociabilidades do sul” ou a própria “floresta”, como organismo vivo que abriga múltiplas interações resistentes à produtividade acelerada do mundo capitalista.

A história e saberes dos povos latino-americanos, tanto de povos originários quanto pós-colonização, com seus embates, conflitos e formas de resistência estão na base da pesquisa e formulação da Escola. “A Escola da Floresta tem um sotaque portunhol. Ela dá as costas para o Atlântico e se volta para os pampas, para os Andes e outras regiões da América Latina como forma de tentar estabelecer uma conexão”, diz Tremonte. As Derivas Culinárias, por exemplo, são uma pesquisa sobre a história de comidas locais da América Latina e seus fluxos com a Europa, principalmente, depois traduzidas em almoços coletivos, refletindo sobre formas de resiliência econômica e resistência cultural são sedimentadas em práticas cotidianas, como cozinhar. Em 2017, a Escola da Floresta também recebeu a SubEscuela, uma escola de artistas baseada em Rosário (Argentina) para uma série de atividades em São Paulo.

Em 2017, a Escola da Floresta promoveu a leitura do Relatório Figueiredo em um microfone aberto na Oficina Cultural Oswald de Andrade. Supostamente desaparecido em um incêndio no Ministério da Agricultura, o texto de mais de sete mil páginas foi encontrado no Museu do Índio no Rio de Janeiro 45 anos depois de sua finalização em 1967. O texto descrevia um esquema de corrupção dentro do Sistema de Proteção ao Índio, como vendas de terras e genocídios contra a população indígena. A leitura em voz alta é uma prática recorrente durante a formação escolar. O texto é apenas replicado no espaço público, multiplicando e fazendo ressoar um documento esquecido, que sintomaticamente indica como problemas políticos são repetidos historicamente, em uma ação que fica entre a performance de longa duração e a denúncia política.

No texto Escola da Floresta: Breves notas ou um texto-colagem escrito por muitas mãos e meios – uma espécie de descrição dos princípios da escola, com ares de manifesto – uma colagem de diversas referências, replica a dinâmica da escola em sua forma de apresentação, que inclui uma multiplicidade de vozes.

Entre as atividades da Escola estão encontros, traduções, exposições, festas e eventos culinários, pensados para as demandas específicas de cada projeto, contexto e participantes envolvidos. Tudo isso em um tempo alargado em que cada decisão, ação ou espaço de ócio é resultado dos vínculos entre aqueles que assumem posições transitórias e não hierárquicas dentro do projeto. Artistas, alunos, professores, pesquisadores e público comutam seus lugares.

Espaço mutante

Em sua dissertação de mestrado, a curadora Kamilla Nunes dedica um capítulo à Escola da Floresta, em um texto composto de citações, traduções e comentários críticos que produzem imagens poéticas para a forma mutante que o projeto pode assumir. “A escola se serve muito do que há ao seu redor. Da sua casa, da sua cidade, do seu ateliê, dos seus amigos, dos seus conhecidos e desconhecidos, dos espaços de arte, dos espaços públicos, dos públicos. E ‘se servir’ diz respeito a uma relação de interdependência e de cooperação”, diz ela.

Para Tremonte, a Escola da Floresta é proposição, não obra. É um projeto eminentemente colaborativo, no qual convida outros artistas que contribuem seja com a apresentação de trabalhos em exposições, falas, setlists ou outras proposições surgidas dos interesses tratados coletivamente. “Aula é algo que foge da proposta da escola. Prefiro encontros, sem um conteúdo programático.”

Os participantes ou alunos não têm programa a seguir, sendo o artista provavelmente o único aluno fixo de seu próprio projeto. “Eu insisto no termo escola pela referência aos estudantes das ocupações, porque eles queriam aquela estrutura, mas transformando-a, potencializando-a. Ao invés de um espaço normatizado, tem uma ideia de espaço de resistência.”

Prospecções

A Escola da Floresta no Ateliê397 (Foto: Divulgação)

Em 2019, a Escola ganhou sua primeira sede, abrigando encontros, grupos de estudos, festas e uma exposição com trabalhos em um varal, repensando também os possíveis formatos para um espaço expositivo. Após essa experiência piloto, ainda ligada ao universo privado do artista, a Escola seguiu para o Ateliê397, onde tem novo abrigo. Na estrutura mutante, estão duas bibliotecas e uma série de publicações de artistas.

“Durante os três primeiros anos, a escola funcionou através de parcerias com artistas, projetos independentes, instituições. A ideia era usar esses espaços e suas estruturas. Mas, este ano, a Escola da Floresta ganhou um espaço físico financiado coletivamente. É um projeto de arte e grande parte do comportamento dele é de acordo com o meu investimento no aluguel dos espaços ou convites para projetos. A ideia é ter cada vez mais apoiadores, pessoas físicas e instituições que viabilizem a existência do espaço”, explica. Pode-se argumentar que o projeto ainda age em uma esfera micropolítica, mas, talvez, daí que esteja a sua força de multiplicação.

Escolas de artistas: Black Mountain College O prédio de ateliês no Lago Éden (1949) (Foto: Harriet Sohmers Zwerling)

Escolas de artistas: Black Mountain College

A legendária escola da Carolina do Norte colocou a arte no centro de sua proposta de formação integral

Leandro Muniz

Em uma série de reportagens, a seLecT apresenta escolas idealizadas e geridas por artistas nacionais e internacionais, históricos e em atividade. A especificidade desses projetos está na transformação dos modelos de ensino e de trocas, isto é, como os afetos e conhecimentos são transmitidos e como podem gerar novas dinâmicas de organização do espaço ou da economia desses centros de reflexão e prática.

Black Mountain College
Carolina do Norte, EUA

Aula de arquitetura com Buckminster Fuller (1948) (Foto: Reprodução)

Entre 1933 e 1957, o Black Mountain College funcionou como espaço de formação integral no qual o ensino de arte era central para o aprendizado de outras disciplinas. A escola foi uma incubadora de experimentações da arte do século 20 e propunha um modelo inovador tanto nos conteúdos tratados nas aulas, quanto na organização da grade, na forma de sociabilidade entre alunos e professores e na estrutura administrativa e operacional.

Fundada em 1933 por John Andrew Rice (1988-1968), na Carolina do Norte, o BMC tinha como objetivo a formação completa em diversas disciplinas, considerando a arte como ponto central para o aprendizado por sua associação entre teoria e prática. A formação humanística não buscava apenas a assimilação de conhecimento, mas o amadurecimento emocional e intelectual do aluno em um contexto de experimentação e discussões rigorosas. O objetivo era aprender através de experiência pessoal e não de conhecimento derivativo.

O início

Encontro para tomada de decisões políticas no BMC (Foto: Reprodução)

No primeiro ano, 21 alunos se inscreveram no programa criado por John Rice e um círculo de professores egressos e demissionários do Rollins College, na Flórida. Rice foi diretor do BMC até 1938, quando a estrutura hierárquica foi substituída por uma horizontalidade total entre os docentes, na medida em que estruturas de supervisão e administração externas foram eliminadas. Um conselho auxiliava no desenvolvimento da proposta pedagógica, mas todas as decisões políticas eram tomadas entre professores e alunos.

Ainda no ano de sua fundação, a escola recebeu os artistas Joseph e Anni Albers, vindos da Bauhaus (1919-1933), para aulas de desenho e tecelagem, respectivamente. Com a ascensão de Hitler na Alemanha, a inovadora escola de arte, arquitetura e design foi fechada e muitos professores emigraram para os Estados Unidos. Assim, o BMC reunia as ideias revolucionárias sobre aplicação da arte na vida da Bauhaus com o pensamento mais progressista sobre educação na época nos Estados Unidos sob a influência do filósofo e pedagogo John Dewey. Durante o período na BMC, o casal Albers fez diversas viagens de pesquisa para Cuba, México, Peru e Chile, documentando e coletando obras pré-colombianas e de culturas indígenas contemporâneas, que tiveram grande influência em seus trabalhos e aulas.

Joseph Albers em aula (Foto: Reprodução)

Nos primeiros oito anos, a escola funcionou em prédios alugados no YMCA Blue Ridge Assembly, também na Carolina do Norte. Em 1941, foi transferida para o Lago Eden, em Asheville, Carolina do Norte, e teve dois projetos arquitetônicos. O projeto de Walter Gropius previa a criação de um prédio com ateliês e salas de aula integrados, em um edifício suspenso por pilotis de frente ao lago, mas não foi realizado por questões econômicas, devido à instabilidade gerada pela Segunda Guerra. O edifício construído foi o de Alfred Lawrence Kocher, um arquiteto mais jovem. O projeto, de 1940-41, era mais econômico e partia de edificações já presentes na região e foi executado pelos próprios alunos e professores.

O Black Mountain College pertencia e era dirigido pelos docentes. Todos os membros da escola participavam das decisões políticas sobre a estrutura pedagógica e atuavam nas tarefas práticas, como cuidar da cozinha ou da fazenda – iniciada pelo aluno Norman Weston. A escola combinava, portanto, trabalho artístico, educação, agricultura e vida em comunidade. Isso teve um papel estratégico para a produção de alimentos para consumo local, na época da guerra e da Grande Depressão.

Aula de fotografia na plantação de repolhos (s/d) (Foto: Barbara Morgan)

Estrutura, metodologia e proposta

As formas de sociabilidade, arquitetura, organização política e decisões econômicas refletiam um pensamento integrado entre teoria e prática. A educação comunal tinha como objetivo levar o indivíduo a perceber suas relações com os outros e com o ambiente. A centralidade da arte se dava pela necessidade de observação, julgamento e ação, em um entrelaçamento entre aprendizado e vivência.

Nas práticas do BMC estava a interdisciplinaridade e a colaboração – não sem conflitos – entre os participantes da escola que contava com aulas de arte, filosofia, psicologia, literatura, matemática, latim etc. Entre os professores estavam M.C. Richards (literatura), Albert William Levi (filosofia), John Wallen (psicologia), David Corkran (história), Theodore Rondthaler (história e latim), Trude Guermonprez (tecelagem), Max Wilhelm Dehn (matemática) e, entre tantos outros, o arquiteto Buckminster Fuller, criador da cúpula geodésica, cujas primeiras versões foram realizadas ali, entre 1948 e 1949.

Alunos do Black Mountain College em estrutura geodésica do designer Buckminster Fuller (Foto: Reprodução)

A programação e a grade de aulas – que ocorriam de manhã e à noite, enquanto as tardes eram reservadas para experimentações e outras atividades – mudavam anualmente de acordo com os interesses e ambições dos participantes da temporada. As aulas eram simultaneamente informais e rigorosas, em um modelo de análise coletiva da produção dos alunos, que combinava interpretação de trabalhos e diálogos na forma de críticas, o que ficou conhecido por crit. Nos finais de semana, após o jantar, havia apresentações de dança, concertos, peças teatrais e festas.

O BMC era uma escola sem notas e pontuações – ainda que essas fossem arquivadas burocraticamente para casos de transferências – e sem provas regulares, na medida em que os alunos eram continuamente criticados por projetos práticos em sua área de interesse, analisados por professores tanto em sua execução, quanto análise teórica e oral.

Alunos do Black Mountain College (Foto: Reprodução)

Diferentemente do modelo norte-americano atual, no qual o aluno de arte é endividado para realizar seus estudos, era uma escola gratuita subsidiada por fundações privadas, o que os livrava de responder a interesses governamentais. Não havia exames admissionais, alguns alunos frequentavam apenas os cursos de verão, enquanto outros passavam ali vários anos. O tempo de formação se dava de acordo com o estudante.

A primeira temporada de verão aconteceu em 1944, com artistas como Willem de Kooning, Amedée Ozenfant, Robert Motherwell, o compositor Arnold Schoenberg e o crítico Clement Greenberg, entre outros professores convidados. Em 1954, os poetas Robert Duncan e Robert Creeley criaram o Black Mountain Review, um periódico experimental de poesia, ativo por três anos e responsável por divulgar os primeiros textos da poesia Beat, por exemplo. Outra iniciativa ligada ao editorial dentro da escola era The Jargon Society, uma pequena imprensa fundada em 1951 por Jonathan Williams, poeta, fotógrafo e ex-aluno da escola.

Vanguarda

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O BMC foi berço de uma série de experiências radicais. Foi lá que aconteceu a primeira versão do happening Theater Piece No 1, de John Cage, com a colaboração improvisada de Robert Rauschenberg, Merce Cunningham, David Tudor, entre outros. A escola era um celeiro de criatividade no qual artistas de diferentes linguagens conviviam e colaboravam. A fusão e a quebra das barreiras entre linguagens foi um denominador comum entre os artistas que passaram por ali. As peças que Rauschenberg produziu para os eventos performáticos de Cage ou Cunningham, por exemplo, são estranhos modelos de uma pintura aplicada em objetos tridimensionais, usados funcionalmente nas apresentações e agora guardadas em acervos de museus.

O BMC é recorrentemente citado como o berço da vanguarda artística norte-americana. Entre os alumni da escola destacam-se a escritora Vera B. Williams, os artistas Jacob Lawrence, Cy Twombly, Kenneth Noland, Ruth Asawa, Franz Kline, entre outros. A partir dos anos 1940, muitos desses ex-alunos tornaram-se professores.

O fim

Joseph e Anni Albers, que estavam na escola desde 1933 como pilares fundamentais do pensamento do Black Mountain College, se demitem em 1949 por divergências sobre as direções que a escola deveria tomar. Em 1951, o poeta e professor Charles Olson assume a direção da escola, promovendo um “retorno à ordem” convencional: modelos tradicionais na grade e na administração da escola, momento em que grandes dívidas financeiras e dificuldades para pagamentos de professores levaram a escola ao fim. Em 1957, o projeto foi encerrado. De lá para cá, algumas tentativas nostálgicas de reavivar a escola em seu modelo original de inventividade ocorreram, mas não tiveram êxito.

Black Mountain College hoje

Ativo desde 1993, o projeto Black Mountain College Museum + Arts Center é destinado a preservar e perpetuar a memória do projeto. É uma instituição responsável por manter e difundir o legado do BMC, além de expor o trabalho de artistas que passaram pela escola ou foram professores, assim como daqueles em atividade cuja influência do BMC é marcante. O museu possui uma coleção com mais de três mil peças de ex-alunos e professores, além de documentação oral realizada desde 1999, que conta com entrevistas e depoimentos de cerca de 50 artistas. A instituição conta ainda com uma publicação fundada em 2005 pelos editores Brian Butler e Blake Hobby, com edições temáticas, textos comissionados ou selecionados via submissão.

O modelo interdisciplinar – herança da Bauhaus –, que busca uma formação integrada, foi influente na formação de diversas instituições norte-americanas e podemos ver o lastro desse pensamento no modelo de formação acadêmica em arte atual. O impulso de uma democracia absoluta ou de uma estrutura flexível para todos os participantes do projeto funcionou por 24 anos e teve efeitos diretos e indiretos nos cursos de formação em arte de todo o mundo.

Vida que continua

Vida que continua

Contemplado no Rumos Itaú Cultural 2017-2018, Área Criativa – Pinhões, de Bruno Vilela, é a nova fase do projeto vencedor do 1º Prêmio seLecT de Arte e Educação, em 2017

Paula Alzugaray

Área Criativa – Pinhões é um dos 109 projetos contemplados no programa Rumos Itaú Cultural (2017-2018). A proposta de Bruno Vilela é criar uma pesquisa sobre processos construtivos de baixo custo e construir um espaço cultural autogerido pelo grupo de jovens da comunidade quilombola de Pinhões, em Santa Luzia (MG). Os participantes, junto com a equipe do projeto, vão desenvolver a arquitetura, a programação, as regras de funcionamento e as formas de gestão do espaço.

Vilela foi o vencedor do 1º Prêmio seLecT de Arte e Educação na categoria Formador, com o Espaço Cultural Área Criativa, espaço autogerido por jovens e crianças da cidade de Pedra Azul (MG), com atividades e regras de funcionamento pensadas pelos próprios usuários. Após três anos de sua implantação em uma cidade que não dispunha de equipamentos culturais, a Área Criativa continua ativa.
Com ações voltadas a promover discussões sobre arte e direitos humanos, o gestor e produtor cultural Bruno Vilela foi estimulado a retomar a estratégia da Área Criativa em Pinhões, bairro quilombola do município de Santa Luzia (MG). “Programamos realizar dez intervenções do projeto Mídia Tática em diferentes cidades, com grupos de jovens organizados em torno de direitos humanos. Mas os moradores de Pinhões não quiseram só uma intervenção efêmera, e sim criar uma ‘área criativa’, em caráter permanente”, conta Vilela à seLecT.
Como a verba que tinha para uma intervenção não alcançava construir um espaço cultural nos moldes de Pedra Azul, foi criado o Espaço Teto Aberto – literalmente um teto para abarcar encontros e discussões para a afirmação do jovem quilombola. “O Teto é um lugar para a discussão de políticas – do próprio espaço e do município. Se a gente pode criar regras para um espaço, por que não podemos interferir nas regras que o Estado dedica à população?”, diz Vilela.

Abaixo da média Instalação Dengo, de Ernesto Neto (Foto: Reprodução)

Abaixo da média

Que futuro podemos vislumbrar quando a principal avaliação da educação básica no mundo mostra que o Brasil está estagnado nas piores colocações do ranking?


Por Paula Alzugaray

 

Uma pesquisa divulgada pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), na terça-feira 6/12, aponta que o Brasil ocupa, pela segunda vez consecutiva, o 65º lugar do ranking dos 70 países avaliados. Organizado pela OCDE (entidade que reúne os países desenvolvidos), o Pisa é o principal medidor de nível educacional do mundo, com resultados divulgados trienalmente, a partir de pesquisas aplicadas em alunos na faixa etária entre 15 e 16 anos. A atual edição do relatório mostra que o Brasil só supera a República Dominicana, a Argélia, o Kosovo, a Tunísia e a Macedônia.

Cerca de 24 mil estudantes de todo o País participaram da pesquisa, que avaliou o desempenho nas áreas de matemática, leitura e ciências, em 2015. Os resultados apontaram que, em matemática, o País ocupa a 65ª posição; em ciências está na 63ª posição; e, em leitura, acabou por obter o melhor resultado, o 59º lugar. As duas últimas disciplinas mantiveram suas posições estacionadas em relação à pesquisa de 2012, enquanto matemática caiu 14 pontos.

Longa estagnação
Entre 2009 e 2015, a média brasileira em matemática caiu de 391 para 377 pontos, enquanto a média dos países da OCDE na disciplina é de 490. Mais de 70% dos alunos brasileiros não conseguiram alcançar o segundo nível da prova de matemática, considerado básico para exercer a cidadania. Com esse resultado, o Brasil não fica desfavorecido apenas em relação aos países ditos desenvolvidos, mas é também superado por nações de contextos muito parecidos, como a Colômbia e o México.

Tão preocupante quanto é o fato de as médias em leitura estarem estagnadas há 15 anos. A estagnação em ciências ocorre desde 2006. Dos 27 estados da Federação, apenas o Amazonas e o Espírito Santo apresentaram médias superiores às edições anteriores.

De todos os jovens participantes da pesquisa, perto de 74% são alunos de escolas estaduais. Os alunos da rede particular de ensino apresentaram resultados superiores à média nacional, mas ainda pouco satisfatórios em relação às regiões desenvolvidas. Os números do Pisa 2015 são particularmente alarmantes, por não refletirem o suposto investimento no setor: em 12 anos o orçamento do MEC triplicou, atingindo a receita atual de R$ 130 bilhões. “O resultado mais esperado é o que virá na próxima edição, que refletirá o ajuste fiscal e os cortes na área”, diz Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, ao jornal Folha de S.Paulo.

Devemos esperar de braços cruzados?