Giselle Beiguelman, presidente do júri de premiação do Prêmio seLecT de Arte Educação, analisa o perfil dos finalistas e a trajetória do prêmio
A 3ª edição do Prêmio seLecT de Arte e Educação é desde já um marco histórico. Não pelas quase 700 inscrições dos mais diversos pontos do país. Não porque pela primeira vez, nas categorias Formador e Artista, a maioria dos projetos indicados ao Prêmio, pelo júri de seleção, são de proponentes não brancos. Com forte presença de mulheres, especialmente na Categoria Formadores, e dominância de pretos (5), pardos (4) e indígenas (2), a lista dos indicados nessas categorias dava o diapasão desta edição.
Tudo isso seria suficiente para afirmar esta edição como um marco. Mas o que realmente faz desta 3a edição do Prêmio seLecT um divisor de águas é que o primeiro e fundamental apanhado – definido pelo crítico e curador Moacir dos Anjos, pela historiadora da arte e curadora Renata Bittencourt e pela jornalista e curadora Luana Fortes, membros do Júri de Seleção – evidenciava que a cultura resiste e se reinventa como frente disruptiva em contraposição a todas as formas de ignorância e desmonte institucional que estamos vivendo. Esse vetor se projetou no grupo dos finalistas, que reúne um significativo conjunto de projetos. Esses projetos refletem a força dos corpos, corpas (e mentes) não normativos, colocando em pauta a diversidade racial e de gênero e a multiplicidade de vozes que emergem da complexidade territorial brasileira.
A lista de finalistas do 3º Prêmio seLecT de Arte e Educação revela diferentes estratégias de ocupação dos territórios simbólicos do país.
Em conjunto contemplam as demandas pela criação de repertórios para o reconhecimento e inserção política e cultural das matrizes e estéticas indígenas, do lugar das pessoas com deficiência, da problematização das violências de gênero e raça e da construção dos territórios do comum e da vida compartilhada.
Obviamente que, pelo quadro proposto, vocês podem imaginar que há motivos de sobra para comemorarmos o 3º Prêmio seLecT de Arte e Educação. Contudo, é com um misto de alegria e tristeza que chego hoje aqui para proclamar os resultados desta edição.
Tive a honra de presidir o júri do Prêmio seLecT desde a primeira edição, em 2017. A realização do seminário que organizamos então aconteceu pouco tempo depois do golpe que levou Temer ao poder, em um processo de impeachment que depôs a presidenta Dilma Rousseff.
Estávamos apreensivxs com o desmonte que se abateria nas políticas educacionais e culturais. Afinal, fazíamos a premiação enquanto o governo propunha extinguir a obrigatoriedade do ensino de artes, filosofia e sociologia no ensino médio e a extinção do Ministério da Cultura.
A segunda edição ocorreu em paralelo ao início da última campanha presidencial, em 2018. A cerimônia aconteceu em Brasília, uma semana exatamente depois do incêndio do Museu Nacional e poucos meses antes da eleição de Jair Messias Bolsonaro. As chamas não se apagaram. Pelo contrário, tomaram o país de ponta a ponta, consumindo a Amazônia e o Pantanal.
Nosso patrimônio histórico e a memória do país vêm sendo submetidos a sucessivos assaltos por teorias negacionistas que pululam sem freios nas redes sociais, em grupos de ódio que desdenham das pautas sobre gênero, raça e cultura, afrontando a dor dos descendentes de escravizados, as demarcações das terras indígenas e as instituições responsáveis pela preservação de nossa história, como o IPHAN e a Casa de Rui Barbosa. Desde o início de 2018 tivemos três ministros da educação e cinco secretários especiais da cultura. Frente a uma pandemia global, que já ceifou mais de 130 mil vidas, encaramos o terceiro ministro da saúde.
Ataques sistemáticos às universidades e institutos federais tornaram-se recorrentes. A desqualificação da produção artística e de suas instituições, idem. No Estado de São Paulo, um Projeto de Lei, o PL 529, enviado pelo governador João Dória à Alesp, propõe retirar das universidades públicas estaduais, a USP, a Unicamp e a Unesp, e da Fapesp, o superávit que garante sua autonomia frente às oscilações econômicas, ameaçando comprometer o futuro da pesquisa, da ciência e do conhecimento. Diga Não ao PL 529.
Como pensar a educação e a arte nesse contexto?
Em vários momentos de nosso seminário, ficou claro que a hora é de desobedecer. Dora Longo Bahia, artista e professora da ECA USP, em sua conferência, perguntava como criar zonas de irresponsabilidade. Afinal, elas são decisivas para romper a estagnação e a estabilidade que garantem a permanência dos poderes que conspiram contra o que é público e o bem comum. Algo que a curadora Sepake Angiama leva adiante, quando propõe desaprender para se libertar, conforme declarou em entrevista recente à seLecT. É preciso de fato recusar uma obediência que o filósofo Frédéric Gros chama de imbecil, porque pressupõe a ausência de raciocínio e a Gross a quem recorro para finalizar minha fala: “A insurreição não se decide. Apodera-se de um coletivo, quando a capacidade de desobedecer juntos volta a ser sensível, contagiosa, quando a experiência do intolerável se adensa até se tornar uma evidência social.” A pergunta, portanto, destaca Gros, não é aquela feita por Thoreau em seu tratado sobre a desobediência civil (Se eu não for, quem será no meu lugar), mas a do sábio talmúdico Hilel, o Ancião, quando questionava “se eu não for por mim, quem o será? Mas se eu for só por mim, quem serei eu?”
Contagiemos. Juntas, Juntos e juntes.
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