Enterradas vivas: estratégias neoliberais Estudantes marcham em São Paulo, aos gritos de “Não tem reforma, vai ter luta!”, contra a reforma do Ensino Médio, em 2016 (Foto: Agência Brasil)

Enterradas vivas: estratégias neoliberais

Cursos de ensino superior de arte e design desaparecem sob a lógica de que a oferta educacional é um produto e o público, consumidor

Mirtes Marins de Oliveira

Desde 2009, quando do início de descontinuidade das ações de um mestrado em Moda na cidade de São Paulo, verifica-se que, de forma sistemática, algumas Instituições de Ensino Superior (IES) optaram por encerrar a oferta de cursos no campo da arte e do design. Uso a palavra descontinuidade por tê-la escutado várias vezes em processos que acompanhei de perto. Seu uso tem uma função apaziguadora de professores e alunos, embutindo, por parte das IES, morte lenta ao processo de fechamento desses cursos, uma exigência da legislação que prevê que os alunos já matriculados devam ser atendidos até o final do curso.

Quase dez anos depois, e com o acúmulo de outros casos, é necessário levantar hipóteses sobre possíveis causas dessa situação: seria um ataque deliberado das instituições educacionais especificamente ao campo artístico, histórica e supostamente considerado criativo, crítico e inovador?

Para tentar estabelecer outros vínculos, aproveito informações concedidas pela Associação Nacional dos Pesquisadores em Artes Plásticas (Anpap), que fornece os dados consolidados do Cadastro do e-MEC de Instituições e Cursos de Educação Superior de 2015 para a área de artes visuais. Naquele ano, o documento aponta para a descontinuidade ou fechamento total de cerca de 28% dos cursos de bacharelado e 20% das licenciaturas – presenciais e a distância – em Artes Visuais (e cursos afins como Arte e Moda ou Arte com Habilitação em Figurino e Indumentária) no Brasil, incluindo nessa contabilidade iniciativas de IES particulares, públicas e comunitárias. No mesmo documento referente ao ano de 2016, dos 367 cursos oferecidos no segmento Artes Visuais, 17 estão em processo de descredenciamento solicitado pelas próprias instituições.

Mas seria essa situação circunscrita à área artística? Como confrontá-la com a profissionalização visível e a consolidação de um circuito artístico em algumas regiões do Brasil nas últimas décadas? Essa relação – entre fechamento de cursos em nível superior de Artes e o circuito – pode ser estabelecida de forma tão direta? Haveria um desmonte, que seria no campo cultural ou educacional? Ou ambos? Haveria uma conexão com o contexto internacional? Não é possível compreender essa operação sem considerar que se fala de um sistema educacional cujos alvos não seriam apenas os cursos de Arte, mas, aparentemente, as Humanidades de maneira geral.

Descontinuidades
Depois de alguns anos nos quais o foco desse sistema foi a expansão da educação superior no Brasil através de políticas de acesso e apoio às instituições por meio do oferecimento de cursos a distância, das políticas de cotas, do Programa de Financiamento Estudantil (Fies), do Programa Universidade para Todos (ProUni), do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), verifica-se a descontinuidade também desses processos. Apesar dessa entrada por meio do ensino superior, uma visada mais ampla permite observar que esse novo desenho não se restringe nesse nível, mas é possível observá-lo em outras instâncias. Assim, é possível compreender a nova versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino médio a partir das descontinuidades, específicas no que diz respeito ao ensino de Artes e Humanidades, já que o documento prevê que apenas as áreas de linguagens e matemática devem ser ofertadas de forma obrigatória nos três anos do ensino médio.

Falar em sistema, no caso da arte e da educação, implica uma percepção local e global. Também em 2015, The Guardian publicou um artigo de Suzanne Moore, Our art schools have become finishing schools for a wealthy few, no qual tratava dos protestos e ocupações na Central St. Martins protagonizados por alunos de artes. Moore apontava para a abrangência desses protestos – com ecos internacionais – que chamavam atenção para cortes financeiros nos cursos daquela fundação. Sua avaliação, conforme indica o título da matéria, era a de que as escolas de arte se tornariam restritas e abertas apenas para aqueles que pudessem pagar por essa educação. Segundo a autora, a base dessa premissa é a de que arte é um luxo e, portanto, não mereceria financiamento público.

Certamente, os artistas de Arts & Crafts (do século 19) e Bauhaus (no século 20), para considerar apenas uma visada europeia, reviraram-se nos túmulos com essa formulação simplista e limitada. Mas também não é essa uma formulação que circula atualmente pelas mídias diversas sobre o papel da arte nas sociedades? Faz muito sentido buscar essa redefinição do que é arte com a finalidade de (re)encaixá-la na categoria luxo, quando se trata de, com essa operação, reduzir preocupações e, principalmente, gastos. Mas, se Arts & Crafts e Bauhaus tentaram articular inovação, criatividade e pensamento crítico (o que se espera de um ensino em Arte e Humanidades) em diálogo com o capital, o que dizer das inúmeras experiências em arte e design que buscam a experimentação? Enterradas vivas, operam nas instâncias periféricas e permanecem, portanto, sem fomento para desenvolvimento e sustentação.

De qualquer forma, urge pensar, debater e duvidar das descontinuidades, mas a pauta necessária como pano de fundo é discutir a função social da arte e também da educação. Ambas consideradas e apoiadas não apenas em nível superior ou de pesquisa, mas também como fundamento desde os primeiros anos escolares. Arte e educação para artistas e para todos. Mas estaria essa questão no horizonte do circuito artístico para além do número de passantes em catracas, que, muitas vezes, considera a oferta educacional um produto e o público, consumidor, delineado pela cada vez mais frequente atuação do departamento de marketing, que agora passa a fornecer diretrizes para as atividades educacionais. Essa constatação pode ser observada de outro ângulo: significa que certa produção artística (e sua educação correspondente) mantém-se desejável, porque inserida na lógica monetária.

Assim, o que não pode ser transmutado rapidamente nessa ordem deve ser descartado e desqualificado porque não merecedor de atenção, estímulo, investimento. Estendida para o campo ampliado das Humanidades (se ficarmos a penas no âmbito da Universidade), talvez seja possível concluir que as descontinuidades não têm como alvo o exercício do pensamento crítico, mas são resultado da incapacidade do campo de, em curto espaço de tempo, se transformar em moeda. 

Imaginária, feminista e na Amazônia Detalhe de Instituto Experimental Tropical del Amazonas (2017). A Notebook. de Mariángeles Soto-Díaz (Foto: Cortesia da Artista)

Imaginária, feminista e na Amazônia

Mariángeles Soto-Díaz idealiza escola imaginária Instituto Experimental Tropical del Amazonas, fundada por feministas com base em culturas indígenas

Luana Fortes

Diante da instalação Instituto Experimental Tropical del Amazonas (2018), questiona-se sobre a existência de uma escola de artes na Floresta Amazônica entre os anos 1935 e 1942. Ela de fato existiu? Só na cabeça de sua idealizadora, Mariángeles Soto-Díaz. A artista venezuelana exibiu um arquivo detalhado sobre a escola imaginária no Centro de Artes 18th Street, em Santa Monica, California. A exposição aconteceu de fevereiro a maio de 2018.

Com base em conhecimentos e habilidades de etnias indígenas como Ye’kuana e Yanomami, que vivem na fronteira entre o Brasil e a Venezuela, o Instituto Experimental Tropical del Amazonas foi criado por um grupo de artistas feministas. Seu foco era reimaginar modos de viver e fazer arte em consonância com a natureza, dentro dela e até em contraste com ela. Enquanto funcionou, teve visitas de Oswald de Andrade e palestras de Le Corbusier e Sonia Delaunay.

Além de colagens, desenhos, mapas e materiais tropicais como urucum, coco e papeis de fibra feitos à mão, a obra de Soto-Díaz traz um manifesto em que afirma: “Nós esperamos que o espírito desta escola dure mais do que nós (…). Reconhecemos que por definição não existem utopias corporificadas, mas apenas a intenção de viver pela promessa de nos atirar em direção aos poderes metafísicos em circulação que só conseguimos imaginar”.

Em 1942, a escola teve um fim – mesmo que imaginário – partindo da ideia de uma instituição efêmera. Já que seu abrigo era a floresta, seguiu o mesmo caminho de um galho caído que se decompõe sobre o chão molhado. Ao acabar, o Instituto Experimental Tropical del Amazonas remanesce como ruína de um futuro perdido. A ruína de algo que nunca teve corpo, mas existiu.

Vista da instalação Instituto Tropical Experimental del Amazonas (2018), de Mariángeles Soto-Díaz, exibido no Centro de Artes 18th Street (Foto: Gene Ogami, Cortesia 18th Street Arts Center)
Estrutura tecnológica de pensamento Fenster (Ventana/Window, 2001-2002/2010), de Luis Camnitzer (Foto: Cortesia Alexander Gray Associates, Nova York)

Estrutura tecnológica de pensamento

Curso de pós-graduação da FAAP propõe novos modelos para pensar o ensino

Por Luana Fortes

Como pensar processos de formação em um universo digital? De acordo com a professora e doutora Suzana Torres, não se trata apenas de usar a tecnologia como ferramenta na sala de aula, mas sim de pensar em uma estrutura tecnológica de pensamento. É a partir desse desafio que ela montou, e agora coordena, Docência e Educação na Contemporaneidade, apenas um dos vários novos cursos de pós-graduação que a FAAP passa a oferecer em 2017.

Torres acredita que a formação da grande maioria dos professores não é suficiente para fazer da sala de aula um espaço efetivo de aproximação, troca e construção. Por esse motivo, um curso de especialização mostra-se necessário. Causa estranhamento à professora que algumas práticas de ensino usadas hoje foram construídas quando a sociedade ainda era de tradição e cultura oral. Já se foram os tempos de ba be bi bo bu. Hoje, a cultura é digital. “Pensar o cenário atual é pensar em redes, conexões e imagens. É tirar o foco no ensino e colocá-lo na aprendizagem”, diz a professora à seLecT. Docência e Educação na Contemporaneidade, então, oferece um espaço para a proposição de outros desenhos, pois o atual é resultado de opções históricas que podem ser repensadas. “Às vezes, o professor nem quer ensinar de determinada forma, mas ele ainda não sabe fazer de outra”, pondera.

O curso é encabeçado pela Faculdade de Artes Plásticas da instituição, mas, pensando a educação como multidisciplinar e algo de comprometimento coletivo, não se destina exclusivamente para professores de áreas culturais. Ele traz à tona as possíveis contribuições que a arte pode trazer para a educação diante de uma solicitação de nível bem ampla, destinada a profissionais de diferentes graus de ensino, assim como aqueles que pretendem estar envolvidos com a educação apenas no futuro. Inclusive, esse é o ponto de partida do programa, que se inicia pensando a respeito daquilo que move e orienta os próprios estudantes do curso.

A oportunidade de montar essa pós-graduação também serve como pontapé para novas ações ao redor do mesmo assunto. É o caso da palestra Como se Ensina a Estudar: Uma Tarefa de Toda a Comunidade Escolar, ministrada por uma das professoras que compõe o corpo docente do curso, Walkiria de Oliveira, em 6/3, às 21h30.

O artista formador: Carmela Gross A artista Carmela Gross ao lado da instalação Escada-Escola (Foto: Paulo D'Alessandro)

O artista formador: Carmela Gross

Em série de depoimentos, grandes nomes da cena brasileira contam como transmitem seu amor e apreço pela arte às novas gerações

Por Luciana Pareja Norbiato, Felipe Stoffa e Carmela Gross

 

Ensinar é um processo múltiplo. Nenhum método de ensino dá conta sozinho de fixar as bases de atuação de seus agentes. Mesmo nas ciências exatas, a maneira como o professor lida com sua disciplina influencia diretamente os resultados e o interesse dos alunos. No ensino de artes visuais, essa fluidez epistemológica é potencializada. O ato do ensino e da aprendizagem pode começar em instituições formais, como escolas e faculdades, e ultrapassar a sala de aula para acontecer em conversas, projetos e até na rua. A produção de certos artistas não seria a mesma sem o ato generoso de compartilhar conhecimento e experiência com as novas gerações. Saiba o que Carmela Gross; artista e autora da instalação Escada-Escola, que liga a Chácara Lane (Museu da Cidade) à Escola Municipal Gabriel Prestes, SP; pensa sobre a dimensão formativa da arte:

“Borrar os limites entre o que chamamos arte e aquilo que consideramos ensino”
Minha primeira proposição para o projeto desta exposição foi imaginar uma integração ativa e formal entre o espaço da Chácara Lane e a Escola Municipal Gabriel Prestes, em São Paulo: apagar os limites físicos entre uma e outra, retirar o muro/grade que as separa, integrar atividades e fazer com que a escola e a casa-museu pudessem se coordenar em uma nova unidade espacial e programática. Além de unificar os espaços, minha proposta pretendia borrar os limites entre o que chamamos arte e aquilo que consideramos ensino. Poder recompor a atividade artística como ação lúcida e lúdica, pensar a educação como atividade livre e criadora. Mas essa enorme tarefa não cabia no âmbito da exposição. Então, imaginei um dispositivo simbólico que pudesse significar o salto desejado – uma escada dupla que fizesse a transposição sobre a grade, tornando possível passar da escola para o museu e do museu para a escola. Projetei uma escada metálica de dois lances, com 1,5 metro de altura, 0,60 metro de largura e 4,60 metros de comprimento, com nove degraus de cada lado, articulada por uma pequena plataforma central. Todo o conjunto é pintado de vermelho. O desenho em linhas metálicas vermelhas talvez assinale um caminho.

O artista formador: Danillo Barata Danillo Barata, videoartista e professor dos cursos de Cinema e Artes Visuais da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB (Foto: Sora Maia)

O artista formador: Danillo Barata

Em série de depoimentos, grandes nomes da cena brasileira contam como transmitem seu amor e apreço pela arte às novas gerações

Por Luciana Pareja Norbiato, Felipe Stoffa e Danillo Barata

Ensinar é um processo múltiplo. Nenhum método de ensino dá conta sozinho de fixar as bases de atuação de seus agentes. Mesmo nas ciências exatas, a maneira como o professor lida com sua disciplina influencia diretamente os resultados e o interesse dos alunos. No ensino de artes visuais, essa fluidez epistemológica é potencializada. O ato do ensino e da aprendizagem pode começar em instituições formais, como escolas e faculdades, e ultrapassar a sala de aula para acontecer em conversas, projetos e até na rua. A produção de certos artistas não seria a mesma sem o ato generoso de compartilhar conhecimento e experiência com as novas gerações. Saiba o que Danillo Barata, videoartista e professor dos cursos de Cinema e Artes Visuais da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), pensa sobre a dimensão formativa da arte:

“Tenho sido, muito mais ao modo de Mário de Andrade, um aprendiz”
Minha experiência de ensino no Recôncavo da Bahia tem me transformado profundamente, pois aqui a troca de saberes e a horizontalidade na prática de formação são vividas cotidianamente no ambiente escolar e fora dele. Um espaço de dialogias, transformações e do mistério.

Os trabalhos artísticos que tenho desenvolvido têm se constituído pela poética do corpo, utilizando como linguagens o vídeo e as videoinstalações. Motivado por essa tendência, busco a ampliação desse conceito e dos meios artísticos de expressão na realização de uma produção na linha de processos criativos.

Em uma avaliação de conceitos ligados às principais teorias e práticas das artes visuais, minha pesquisa constituiu-se de uma produção prática, na qual são utilizadas técnicas de captação e manipulação de imagens, para mostrar o enfrentamento do corpo em relação aos meios contemporâneos de expressão artística.

A relação dialógica estabelecida com o Recôncavo talvez encontre ressonância na frase da canção do santamarense Roberto Mendes e de Capinam na canção Massemba: “Vou aprender a ler para ensinar meus camaradas”. Acredito que, no fim das contas, tenho sido, muito mais ao modo de Mário de Andrade, um aprendiz.

O artista formador: Paulo Pasta Paulo Pasta, artista e professor no Sesc Pompeia e Instituto Tomie Ohtake (Foto: Paulo D'Alessandro)

O artista formador: Paulo Pasta

Em série de depoimentos, grandes nomes da cena brasileira contam como transmitem seu amor e apreço pela arte às novas gerações

 Por Luciana Pareja Norbiato, Felipe Stoffa e Paulo Pasta

 

Ensinar é um processo múltiplo. Nenhum método de ensino dá conta sozinho de fixar as bases de atuação de seus agentes. Mesmo nas ciências exatas, a maneira como o professor lida com sua disciplina influencia diretamente os resultados e o interesse dos alunos. No ensino de artes visuais, essa fluidez epistemológica é potencializada. O ato do ensino e da aprendizagem pode começar em instituições formais, como escolas e faculdades, e ultrapassar a sala de aula para acontecer em conversas, projetos e até na rua. A produção de certos artistas não seria a mesma sem o ato generoso de compartilhar conhecimento e experiência com as novas gerações. Saiba o que Paulo Pasta, artista e professor no Sesc Pompeia e Instituto Tomie Ohtake, pensa sobre a dimensão formativa da arte:

“O que tenho a ensinar é, principalmente, a valorização da experiência”
Quando comecei a dar aulas de arte, não possuía um método, um programa a partir do qual pudesse me orientar. Fui aprendendo com a prática. Aprendi o que ensinava, se posso dizer assim. E isso me parece, agora, a melhor forma de aprendizado. E esse sistema talvez seja a parte essencial do exercício da própria pintura: aprender com a experiência, com a prática do fazer.

Posso dizer, então, que o que tenho a ensinar é, principalmente, essa valorização da experiência. Nesse sentido me coloco (e me sinto) muito mais um interlocutor do que professor. Procuro entender as reais motivações e origens dos trabalhos e responder a elas, sem generalizações ou ideologias.

Gosto também de pensar – a exemplo da declaração de Sean Scully – que procuro manter e preservar um espaço para o exercício continuado da pintura, quando tudo parece cooperar para que isso não ocorra.

O artista formador: Regina Silveira Regina Silveira exercita sua interação com públicos anônimos em trabalhos de intervenção urbana como a calçada em frente à Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo (Foto: Paulo D'Alessandro)

O artista formador: Regina Silveira

Em série de depoimentos, grandes nomes da cena brasileira contam como transmitem seu amor e apreço pela arte às novas gerações

Por Luciana Pareja Norbiato, Felipe Stoffa e Regina Silveira

 

Ensinar é um processo múltiplo. Nenhum método de ensino dá conta sozinho de fixar as bases de atuação de seus agentes. Mesmo nas ciências exatas, a maneira como o professor lida com sua disciplina influencia diretamente os resultados e o interesse dos alunos. No ensino de artes visuais, essa fluidez epistemológica é potencializada. O ato do ensino e da aprendizagem pode começar em instituições formais, como escolas e faculdades, e ultrapassar a sala de aula para acontecer em conversas, projetos e até na rua. A produção de certos artistas não seria a mesma sem o ato generoso de compartilhar conhecimento e experiência com as novas gerações. Saiba o que Regina Silveira pensa sobre a dimensão formativa da arte:

“Ensinar arte em profundidade é orientar na busca da expressão poética própria”
Ao longo do meu percurso, sempre foi da maior importância a dimensão formativa da arte – aquela que vem embutida na sua capacidade de ser e de proporcionar um conhecimento muito particular do mundo, com o potencial de transformar magicamente o que entendemos como real e nossas próprias experiências de vida. Desde os anos 1960, estive constantemente interessada nessa dimensão e muito envolvida com atividades educativas diversas, tanto na esfera da produção/fabricação da linguagem – a do ensino da arte, onde literalmente “pendurei” algumas décadas da minha vida profissional, quanto na esfera da recepção da arte – a da sua interpretação, seus efeitos e usos, por diversos públicos.

Nessa última esfera incluo não apenas minha prática recorrente de planejar programas educativos organizados especificamente para exposições realizadas no Brasil e no exterior, geralmente em parcerias muito produtivas, como também algumas formas de arte pública que venho desenvolvendo em anos recentes, especialmente as intervenções diretas no tecido urbano, fora dos espaços instituídos da arte. Por seu grau muito ampliado de interação com públicos anônimos, as intervenções urbanas podem funcionar como assaltos à percepção comum, e se mostram capazes de modificar por muito tempo a forma de ser dos lugares ocupados.

Quanto à formação do artista, para mim, ensinar arte em profundidade é orientar na busca da expressão poética própria e é estar na do outro, para encaminhá-lo nessa descoberta, muito mais que instrumentar para o manejo de materiais e técnicas particulares. A tarefa do mestre junto ao jovem artista é ajudá-lo a dar forma e concreção às suas perguntas e formulações, dentro de uma intencionalidade que ainda é vaga ou está em construção, para que encontre aquilo que quer dizer e os modos de operar para chegar lá, seja qual for o caminho escolhido. Para o mestre, o mais importante nessa relação é a troca, pois ela é a sua melhor ponte e vínculo com as próximas gerações e novos quadros de ideias.

 

Novos museus universitários Distrito artístico da Universidade de Stanford, na Califórnia (Foto: Tim Griffith/ Anderson Collection, Stanford University)

Novos museus universitários

Em 2016, seis museus de arte foram inaugurados em universidade públicas e privadas nos EUA


Por Felipe Stoffa

 

Ao longo das últimas décadas, universidades públicas e privadas dos Estados Unidos vêm investindo sistematicamente no aprimoramento de currículos voltados às artes e a cultura. As maiores instituições de ensino superior do país estão financiando novos museus e sediando coleções. Somente no ano de 2016 foram seis museus universitários inauguradas em território norte-americano. É o que aponta a matéria recente publicada pelo site The Art Newspaper.

Acompanhando essa mentalidade, tradicionais escolas de elite como Columbia, em Nova York, e Rice, no Texas, investiram milhões de dólares para se equipararem à concorrência que já possui museu próprio, como Stanford, na Califórnia; Harvard, em Massachusetts; e Yale, em Connecticut. Os motivos estão intimamente ligados ao reconhecimento de que a arte e a criatividade serão atividades vitais para as próximas gerações, por sua influência direta na agilidade do pensamento.

Artes para além da arte
Desde 2006, a Universidade de Stanford construiu três edifícios que abrigam atualmente um distrito artístico dentro de seu campus – sendo um deles projetado para receber uma coleção de arte americana do pós-guerra. Esse complexo arquitetônico é acompanhado de uma mudança curricular: todo estudante deve realizar, ao menos, uma disciplina de expressão criativa, independente do curso escolhido. “Stanford analisou que as artes e a criatividade são vitais para a próxima geração de empreendedores, pessoas com capacidade para entender diferentes perspectivas, o que significa trazer algo de novo para o mundo”, comentou Matthew Tiews, diretor Associado para o Desenvolvimento das Artes da Universidade.

Esses jovens distritos artísticos são formulados para abrigar exposições de alto padrão e estimular a pesquisa acadêmica, além de aproximar seus estudantes do universo cultural, resgatando disciplinas que antes eram vistas como conteúdos extracurriculares e periféricos de uma educação formal. No caso de Stanford, alunos de medicina dispõem de um passeio pelas esculturas de Auguste Rodin a fim de realizarem estudos minuciosos de anatomia.

Para as universidades de Rice; Columbia; Duke, na Carolina do Norte; Princeton, em New Jersey; e Virginia Commonwealth, em Richmond, o calendário de 2017 já conta com a inauguração de museus próprios, entre os meses de fevereiro e outubro.

O caso brasileiro
O Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), é um dos maiores exemplos de museus de arte comandados por universidades brasileiras. A instituição, entretanto, é um caso excepcional no País, por ter um setor curatorial formado por professores e pesquisadores integrantes do corpo docente da USP, permitindo atividades voltadas à integração entre ensino, pesquisa e extensão cultural.

Outras instituições, como o Museu Dom João VI da Universidade Federal do Rio de Janeiro; e a Pinacoteca Barão de Santo Ângelo, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, também possuem acervos de arte coordenados pelos docentes das respectivas universidades. Entretanto, esse quadro de profissionais não permite que seus professores exerçam uma atividade curatorial permanente, já que são rotativos.

Fora da esfera pública, faculdades privadas como a Fundação Armando Álvares Penteado, em São Paulo, e a UNIFOR, em Fortaleza, possuem museus que abrigam importantes coleções privadas e mantém atividades curriculares que dialogam com o universo das artes e o mundo acadêmico.