Statement do júri de premiação do 3º Prêmio seLecT Carmem Silva (Fotos: Fernando Banzi)

Statement do júri de premiação do 3º Prêmio seLecT

Paula Alzugaray, Heloisa Buarque de Hollanda, Diane Lima e Valéria Toloi definem os finalistas do Prêmio seLecT de Arte Educação

O Júri de Premiação, integrado por Paula Alzugaray, curadora e criadora do Prêmio seLecT de Arte e Educação, Heloisa Buarque de Hollanda, professora da UFRJ, pioneira dos estudos feministas e da conexão da universidade com as periferias, Diane Lima, curadora independente e mestre em Comunicação e Semiótica e Valéria Toloi, gerente de Educação do Itaú Cultural,  reuniu-se no dia 21 de setembro, pela Internet, para definir os premiados nas categorias Artista e Formador e também os contemplados com o prêmio de fomento Arapuru, finalizando um logo processo de discussões e escuta iniciado em julho, que envolveu o trabalho de seleção dos indicados ao prêmio, a definição dos finalistas, e o seminário com o debate de seus trabalhos com o júri.

A camisa educação vencedora deste ano, feita em parceria por Andrea Hygino e Luiza Coimbra, resume a motivação desse esforço: a educação é a saída de emergência.

Aprendemos muito com os 11 finalistas desta edição do prêmio.

Aprendemos, por exemplo, a escutar outras vozes, com as traduções musicais de Anne Magalhães para libras e com o podcast De Hoje a 8 de Eduarda Gama Canto e seus parceiros.

Aprendemos, também, a operar na chave de uma pedagogia do lixo e das estéticas da possibilidade, que transcende os limites dos corpos e corpas com Vicenta Perrotta e Lara Ovídio de Medeiros Rodrigues. Alargamos nossos horizontes sobre a cultura contemporânea indígena com Gustavo Caboco e Anápuáka Muniz Tupinambá, que nos reeducam para dinâmicas de convívio com posturas descoloniais frente aos cânones tradicionais.

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Essa diretriz é estruturante do trabalho das Políticas da Desobediência de Tarcísio Almeida, que atua a partir do contexto da universidade pública (UFRB), e da Galeria Reocupa junto ao MSTC, pelo embate com a cidade e suas disputas não só narrativas, mas também pelo direito à moradia e à vida. Descolonizar é preciso e isso passa por ocupar outros espaços, como a água de nossos rios, em outros formatos expositivos com e para outros públicos, conforme nos mostrou André Vitor Brandäo da Silva, idealizador e curador da Mostra Flutuante no rio São Francisco.

Temos que ser capazes de criar outras relações de aprendizado e de escuta, que impliquem o toque, a descoberta da dor do outro pelo corpo e pela pele, pautas centrais no trabalho de Renata Aparecida Felinto e Antonio Tarsis de Jesus Miranda.

No Prêmio de Fomento Arapuru, o Júri escolheu, na categoria artista, a educadora artista, Renata Felinto, cuja obra combina procedimentos relacionais da cultura africana a exercícios reflexivos e sensórios, em práticas poéticas do cuidado de si como movimento de despertar-se para o outro.

Nessa categoria, artistas, do Prêmio seLecT, destacamos e premiamos o trabalho de Gustavo Caboco, que por meio de um delicado trabalho de pesquisa no campo da história oral, reencontra sua identidade ancestral indígena. Ao consolidar seu projeto em um livro, objeto cultural que volta a ser alvo de ataque, como é peculiar aos governos mais autoritários, Gustavo aponta para formas de politização da sensibilidade e de descolonização do imaginário coletivo. Baaraz Kawau – Campo após o fogo, é o seu título, que funciona como um ensaio de resposta ao contexto de devastação e destruição de memória e futuros que vivemos… desde o incêndio do museu nacional até a invasão de reservas indígenas.

Na categoria de formadores, inaugurando o prêmio de fomento Arapuru da categoria dos formadores, o Júri  contempla o trabalho da Galeria Reocupa, destacando seu caráter ímpar de articulação entre a cultura e a política, a partir do fazer coletivo em defesa do direito à moradia e de uma rede intersocial de agentes comprometidos com a necessidade de mudanças das estruturas de posse e propriedade mais arraigadas da sociedade brasileira.

Nessa mesma categoria, foi escolhido, para o Prêmio seLecT o projeto De Hoje a 8, podcast de literatura focado na produção cultural do Recôncavo Baiano e na literatura africana lusófona, aqui representado por uma de suas criadoras, Eduarda Gama Canto. Pelo seu enfoque regional e sua inventividade de ocupar a cidade com alto-falantes nos postes e um espaço em uma rádio local, o podcast sinaliza formas de reinvenção da palavra e da comunicação, por meio de uma pedagogia radical da generosidade intelectual.

A todos os participantes ficam nossos mais sinceros e felizes agradecimentos. Como dizia nosso educador maior, Paulo Freire, “A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca”. Não parem.

Educação como “saída de emergência” Saída de Emergência, projeto de Andréa Hygino premiado na categoria Camisa Educação do 3º Prêmio seLecT de Arte e Educação

Educação como “saída de emergência”

De Andréa Hygino e Luiza Coimbra, projeto premiado na categoria Camisa Educação do 3º Prêmio seLecT de Arte e Educação, é uma resposta ao desmonte educacional em vigor no Brasil

Luciana Pareja Norbiato

Antes de entrar no curso de Artes Visuais da UERJ em 2010, Andréa Hygino Rodrigues da Silva era estudante de violão e nunca tinha cogitado a possibilidade de ser artista. “Na época da graduação, eu morava em Anchieta, um bairro que é a divisa do Rio de Janeiro com a Baixada Fluminense. Lá não tem tanto acesso à programação cultural, é tudo mais distante. Eu queria aprender algo que tivesse a ver com criatividade”, explica. Do bacharelado até vencer o 3º Prêmio seLecT de Arte e Educação na categoria Camisa Educação, muita coisa mudou na vida da carioca de 28 anos.

“Geralmente, o que se conhece de arte no colégio é algo mais histórico… modernismo, impressionismo. E os alunos da UERJ são de bairros mais distantes e da Baixada”, conta. A faculdade trouxe a quebra de paradigmas estéticos, a imersão no universo da arte contemporânea e a também aluna Luiza Coimbra Paranhos Cavalcanti de Paiva, 29. Mais do que uma colega de aulas, Luiza se tornou a dupla de Andréa no coletivo sem nome pelo qual realizam os trabalhos da série Corpo Dissente. Assim mesmo, com dois “s”, numa alusão a alunos e sensibilidade, seja do corpo, do aprendizado ou da situação atual da educação no Brasil. 

A série, iniciada em 2017 para a ocupação da Galeria Candido Portinari, da UERJ, durante uma crise que culminou em greve, migrou no mesmo ano para o Centro Municipal de Arte Helio Oiticica, na exposição Panelas de Pressão Também Sibilam. A curadoria de Fernanda Pequeno expunha a situação problemática da universidade estadual. 

Utilizando recursos gráficos para intervir na imagem da carteira escolar como mesa, Corpo Dissente virou lambe, entrou em outras mostras, foi para as ruas em protesto. Finalmente, as artistas elaboraram duas versões do trabalho para inscrição no 3º Prêmio seLecT de Arte e Educação, na categoria Camisa Educação, que é fruto de uma parceria entre a seLecT e a galeria A Gentil Carioca, desde 2018. 

O projeto inscrito por Luiza também foi finalista. Mas o vencedor é Saída de Emergência, de Andréa Hygino, que alude à construção de uma escada a partir da fragmentação de uma carteira escolar. “Quando fiquei sabendo do prêmio no ano passado, já deixei no meu radar, queria participar neste ano de qualquer jeito. Uma camiseta é o suporte perfeito, porque nossa ideia é que o projeto esteja nas ruas”, diz Andréa. 

Reação ao desmonte
Ambas amigas sentem na pele o descaso com educação que o Brasil vem enfrentando: as duas são professoras de artes – e também filhas de professoras. Andréa, que é Mestra em Linguagens Visuais pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRJ (2017), leciona desenho na Escola de Belas Artes da mesma universidade, mas adquiriu boa parte de sua experiência no projeto Vinde a Mim, em que dava oficinas de arte para alunos de baixa renda de 6 a 14 anos no bairro da Tijuca. Como docente universitária, percebe que o fato de ser negra a coloca num papel importante: “Vejo alunos que se impressionam com o fato de ter uma professora negra e se sentem representados, sentem que podem conversar mais abertamente comigo. Isso é muito bom, embora uma mulher negra ainda seja minoria entre os docentes”.

Luiza dá aulas no tradicional Pedro II, instituição pública fundada em 1837. “Como o Colégio é federal, tem material e sala de artes, enquanto existem escolas municipais onde não há nem papel para desenhar. Mas eu tenho que ver um a um os desenhos dos alunos, e são 40 por turma, então levo uma aula inteira para ver todos, por exemplo. Existe uma variedade de realidades muito grande entre os alunos, tem desde o morador do Leblon até aquele que vem de Maricá, que nem sei como consegue chegar no horário na aula”, conta Luiza.

Corpo Dissente é uma resposta ao estado de coisas educacional em vigor no Brasil. “Há um projeto efetivo e gradual de desmonte em curso: os livros são taxados, corta-se verba do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), vai-se minando o setor aos poucos”, diz Andréa Hygino. Agora, seu projeto dá voz ao descontentamento de quem a veste, na forma de uma Camisa Educação, que será produzida pela galeria A Gentil Carioca e lançada durante o Abre Alas de 2021.

O Prêmio seLecT é uma iniciativa organizada pela revista seLecT desde 2017, criado para valorizar e incentivar escolas, instituições de arte, espaços de ensino, projetos artísticos colaborativos e iniciativas inovadoras e experimentais que favoreçam os diálogos e os vínculos entre arte e educação. A terceira edição tem co-realização do Itaú Cultural, apoio da galeria Almeida e Dale, parceria da galeria A Gentil Carioca e da Arapuru London Dry Gin.
Apresentações, statement do júri e anúncio de vencedores Finalistas do 2º Prêmio seLecT no Seminário de Arte e Educação, realizado no CCBB-DF (Fotos: Guilherme Kardel)

Apresentações, statement do júri e anúncio de vencedores

Abertura do Seminário de Arte e Educação do 2º Prêmio seLecT, com apresentação de Paula Alzugaray, diretora da revista seLecT, na manhã do dia 11/9, no CCBB-DF.

Em abril de 2018, dedicamos uma edição da revista seLecT à discussão sobre a ausência de política cultural no Brasil. Quatro meses depois, estamos diante da destruição do Museu Nacional, que guardava a memória dos muitos povos que constituem o Brasil.

Com esse evento, o que era ausência de políticas culturais e falta de respeito pela história, a cultura e a educação no Brasil, ganha a fisionomia de crime.

Qual a diferença entre assistir aos atentados a monumentos históricos no Oriente Médio pelo Estado Islâmico, ou à destruição das Torres Gêmeas nova-iorquinas pela Al-Quaïda, e a aniquilação de 90% do patrimônio material e imaterial guardado no Museu Nacional?

O destino calamitoso do nosso patrimônio é, sim, comparável a atos de terrorismo na medida em que é resultado da incapacidade de zelo e ao desprezo de seus próprios guardiães. Faço minhas as palavras do historiador da arte Rafael Cardoso no texto “O Brasil na Fogueira”, publicado na semana passada na revistapessoa.com.

“Como coletividade, não soubemos zelar por aquele patrimônio, assim como não atribuímos o devido cuidado a nenhum de nossos preciosos acervos públicos e instituições culturais. Somos uma sociedade que não respeita o berço em que nasceu. Como certos pássaros, emporcalhamos o próprio ninho. Jogamos lixo na rua, esgoto no mar, veneno nos rios. Roubamos monumentos para fundir o bronze e vender por peso. Nomeamos para cargos públicos pessoas que surrupiam o patrimônio da nação”.

Reconhecemos que o destino do Museu Nacional não é um caso isolado. Para citar outros casos emblemáticos, há 40 anos, o acervo do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro foi convertido em pó em um incêndio de proporções similares ao da Quinta da Boa Vista.  Em 2014 foi a vez do Liceu de Artes e Ofícios, de São Paulo, em 2015 do Museu da Língua Portuguesa, e em 2016 da Cinemateca Brasileira.

Mais uma grave evidência de que recursos são invariavelmente retirados da educação e da cultura a fim de maquiar contas que não fecham, desde 2015, dezenas de cursos de ensino superior de arte e design desapareceram sob a lógica de que a oferta educacional é um produto e o público, consumidor.

Paula Alzugaray abre trabalhos do Seminário de Arte e Educação do 2º Prêmio seLecT

Em artigo publicado na edição Política Cultural da seLecT, a professora e pesquisadora Mirtes Marins de Oliveira elucida o desmonte sistemático da educação artística no Brasil, recorrendo a informações fornecidas pela Associação Nacional dos Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP), que fornece os dados consolidados do Cadastro do e-MEC de Instituições e Cursos de Educação Superior para a área de artes visuais. Em 2015, o documento aponta para a descontinuidade ou fechamento total de cerca de 28% dos cursos de bacharelado e 20% das licenciaturas – presenciais e à distância – em Artes Visuais no Brasil. No mesmo documento referente ao ano de 2016, dos 367 cursos oferecidos no segmento Artes Visuais, 17 estavam em processo de descredenciamento solicitado pelas próprias instituições.

A esse quadro, soma-se a nova versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino médio no que diz respeito ao ensino de Artes e Humanidades, que prevê que apenas as áreas de linguagens e matemática devem ser ofertadas de forma obrigatória nos três anos do ensino médio.

O que se pode concluir de tudo isso?

Que o incêndio do Museu Nacional não é um acidente. É um desastre cultural que responde a duzentos anos de descaso e desmandos.

“O incêndio do Museu Nacional”, continua Rafael Cardoso, “além de tragédia, foi crime. Um crime que condena a sociedade brasileira quase inteira, com exceção dos poucos e bons que lutam bravamente para manter vivas a memória e a cultura contra o descaso da maioria esmagadora.”

Nesta segunda edição do Prêmio seLecT de Arte e Educação, homenageamos estes não tão poucos, mas bravos, artistas e formadores que trabalham pela formação dos brasileiros a partir da integração entre a arte e a educação.

Recebemos 250 projetos de 17 estados brasileiros.

Os seis finalistas, presentes nesta terceira e última fase de julgamento, destacam em suas propostas, segundo aponta Giselle Beiguelman, presidente do júri, novas abordagens das questões de gênero e da cultura indígena nas escolas e no cotidiano. Apontam para a urgência de pensar as relações com o meio ambiente, privilegiando um olhar para a diversidade e a experiência do compartilhamento, e propõem interlocuções mais fluidas entre o público e as instituições, alterando as formas de circulação e experimentação dos espaços.

Ressalto que os seis projetos apresentados hoje no Seminário de Arte e Educação notabilizam-se por sua capacidade de transcender os modelos de educação formal, abrindo possibilidades para acreditarmos na construção de um Brasil possível.

Centro Cultural Banco do Brasil em Brasília

 

Nesta manhã, teremos três proponentes da categoria ARTISTA, que contempla autores de obras artísticas cujo foco de pesquisa envolve estratégias de formação e mediação, visando promover o pensamento crítico e as relações entre indivíduo e seu meio social. São eles:

Bruno Moreschi (SP), com o trabalho A História da _rte, que reúne dados quantitativos e qualitativos sobre 2.443 artistas encontrados em 11 livros utilizados em cursos de graduação de artes visuais no Brasil.

Cecília Andrade (CE), com o trabalho Excursão Pajeú, exposição na qual público é convidado a procurar e refletir sobre o riacho Pajeú, rio em desaparição, na cidade de Fortaleza.

Sue Nhamandu (SP), com o trabalho Ryzoma Pornoklasta, uma pedagogia de conscientização sobre a vitalidade do sistema patriarcal, baseada em exercícios eróticos que explicitam os mitos das diferenças entre masculino e feminino.

À tarde, após o intervalo para almoço, teremos três proponentes da categoria FORMADOR, que contempla professores/ agenciadores/ formadores ou instituições responsáveis por projetos comprometidos com uma pedagogia para as artes, assim como com o empreendimento de modelos inovadores de educação da arte ou pela arte. São eles: 

Instituto Tomie Ohtake e Centre Pompidou (SP), com o trabalho Alucinações Parciais: exposição-escola com obras-primas modernas do Brasil e do Centre Pompidou, mostra coletiva que traz educação como plataforma central para criação de relações entre públicos e obras.

Maya Inbar (RJ), com o trabalho Programa de Arte Ambiental, em que a professora do Colégio de Aplicação da UFRJ propõe debates e atividades sobre natureza, agrofloresta e diversidade.

Tales Bedeschi (MG), com o trabalho Arte indígena na escola não indígena, que desenvolve abordagens metodológicas para estudar o universo epistemológico, cultural e artístico de povos indígenas na escola.

O Prêmio seLecT de Arte e Educação é uma iniciativa da revista seLecT, a fim de contribuir para a difusão de novos modelos de educação em favor da formação intelectual e cultural do cidadão.

O Prêmio conta com incentivo do Ministério da Cultura, por meio da Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), e só é possível graças ao patrocínio do Banco do Brasil e da Galeria Almeida e Dale. Agradecemos também à parceria da Galeria A Gentil Carioca, que este ano associa ao Prêmio seLecT o seu projeto Camisa Educação; e aos nossos colaboradores, Luana Fortes, jornalista da revista seLecT, Ana Diniz e Bê Machado, da Editora Três; e nosso júri de seleção e premiação formado por Giselle Beiguelman, Marcio Harum, Cayo Honorato, Mario Ramiro e Ana Avelar. A todos, muito obrigada.

Finalistas e membros do júri de premiação do 2º Prêmio seLecT de Arte e Educação

 

Fala de Paula Alzugaray, diretora da revista seLecT, que abriu as apresentações dos finalistas na tarde de 11/9 no CCBB-DF.

Eu gostaria de abrir os trabalhos desta tarde do 2º Seminário seLecT de Arte e Educação com uma história contada por Renato Janine Ribeiro, professor titular de ética e filosofia política da Universidade de São Paulo. Esta história está contada no livro “A pátria educadora em colapso” (lançado pela editora Três Estrelas no início deste ano de 2018).

A EDUCAÇÃO PRECISA SER CRIATIVA

No filme O Diretor de harmonia (2014), de Luiz Bolognesi e Lais Bodanzky, o educador Tião Rocha conta que nos anos 1980 foi nomeado pró-reitor de uma universidade mineira e no mesmo dia teve uma reunião com um secretário de estado. Discutia-se crise, segurança, disciplina. Tião pediu a palavra e disse:

– No Brasil há uma escola que nunca teve crise, evasão, dependência, segunda época, violência, quebra-quebra.

– Essa escola não existe, professor!, disseram

– É essa escola que temos de criar. Mas ela já existe.

– Qual?

– É a escola de samba. Você já ouviu falar de crise em escola de samba, em bomba, repetência, evasão? Alguém ja tomou bomba em tamborim?

Aquilo criou um mal-estar, segundo o educador. Então uma senhora, assessora do secretário, disse:

– Professor, isso aqui é uma reunião séria!

Tião respondeu:

– A senhora não conhece nada de escola de samba. Na sua escola não há um encarregado da disciplina?

– Claro.

– Pois a escola de samba não tem um encarregado da disciplina. Escola de samba tem diretor de harmonia!

“Fechou o tempo”, contou Tião, que comentou em seguida: a educação brasileira tem muito a aprender com a cultura brasileira. Joãozinho Trinta, lembrou ele, transformou uma cidade a partir de uma escola de samba. Nilópolis é em grande parte produto da Beija-Flor, escola que o carnavalesco dirigiu durante muito tempo. E que tem diretor de harmnia.

Tião Rocha diz que foi demitido no mesmo dia de sua posse e que a escola de seus sonhos – e que deveria ser a do sonho de todos – é a que faz o aluno desejar frequentá-la também aos sábados e aos domingos.

Paula Alzugaray e Giselle Beiguelman anunciam as vencedoras do 2º Prêmio seLecT de Arte e Educação: Sue Nhamandu e Maya Inbar

Anúncio de vencedores e statement do júri de premiação, composto por Ana Avelar, Cayo Honorato, Mario Ramiro e presidido por Giselle Beiguelman

Fazer um Prêmio dedicado à arte e educação no Brasil de hoje é, em si, um ato de resistência. Não existem áreas mais abandonadas, atacadas e vilipendiadas que essas no nosso momento histórico.

Na contramão do processo de desmonte das políticas públicas de fomento ao ensino, à pesquisa, e à criação, os seis finalistas desta segunda edição do Prêmio seLecT de arte e educação são a expressão da relevância desse debate.

Atuando como artistas e como formadores, seus projetos contemplam a urgência de discutirmos pedagogias para dar conta das demandas da lei 11645, que tornou “obrigatório  o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena, no âmbito de todo o currículo escolar”, e dos apagamentos a que foram submetidas suas histórias e saberes.

Trazem novos aportes às práticas voltadas à educação ambiental, sexual e patrimonial e revelam novas dimensões das ambivalências das definições de gênero e das políticas do corpo no espaço. Revelam, ainda, a potência do ensino público, instância a que estão ligadas a maior parte dos projetos finalistas, e a determinação dos artistas de e professores.

Em suas práticas, assumem o desafio de conceber mundos onde a questão principal é “Como fazer COM e não fazer PARA ou POR?”. O que unifica a multiplicidade das propostas dos finalistas é a aposta na construção de processos coletivos, nos quais a escuta do outro, o respeito e a compreensão das diferenças são centrais.

Sue Nhamandu e Maya Inbar, as vencedoras do 2º Prêmio seLecT de Arte e Educação nas categorias Artista e Formador, respectivamente

Eles e elas propõem tecnologias sociais para desvendar as formas de produção social do espaço urbano, como faz Cecilia Andrade, de Fortaleza, com Excursão Pajeú, e para desconstruir uma historiografia hegemônica, que ocultou as mulheres e suprimiu as artistas negras da história da arte, como fez Bruno Moreschi e sua equipe multidisciplinar, no seu meticuloso a historia da _rte [um projeto que se tornou referência para as pesquisas na área, como atestaram as diversas citações feitas ao seu banco de dados por outros finalistas].

Chamam nossa atenção para necessidade de romper com os cânones estabelecidos, como Sue Nhamandu, que propõe, em experimentos performáticos, a descolonização do corpo feminino, e o Insituto Tomie Ohtake, que apresenta, a partir da exposição Alucinações Parciais, uma proposta que implode os limites entre espaço expositivo e educativo.

Enfrentando os desafios da contemporaneidade, Tales Bedeschi Faria, de Belo Horizonte, e Maya Inbar, do Rio de Janeiro, discutem, respectivamente, como elaborar uma pedagogia indígena para não-indígenas e o Programa de Arte Ambiental. Tales desenvolve uma metodologia baseada na participação e contato e com as populações indígenas. Já Maya Inbar, procura articular na prática da educação ambiental, uma visão transdisciplinar que torna indissociável a criação artística do processo de conhecimento da natureza e de nós mesmos.

Destinado a projetos integralmente realizados até a data de seleção dos finalistas pelo Júri, o Prêmio não se é voltado ao fomento de projetos a serem desenvolvidos.

Para a premiação, o Júri do 2º Prêmio seLecT de Arte e Educação destacou os projetos que atestaram potência para formular e experimentar metodologias pedagógicas inovadoras,  sintonizadas com as demandas do País e da contemporaneidade.

Na categoria artista, premiamos Sue Nhamandu, com um projeto que propôs um enfoque radical para problematizar as ambivalências das noções de gênero, a partir da educação sexual, pensando a prática pedagógica como elemento fundamental de constituição da subjetividade.

Na categoria formador, voltamos nossa atenção para a escola como um agente de transformação social a partir do projeto de Maya Inbar. Por ser o centro irradiador de uma cultura pautada pelo reconhecimento da diversidade, essa escola plural expande as noções de consciência ecológica. Abre-se para possibilidade de uma prática transdisciplinar e de novas pedagogias que privilegiam o prazer do processo de aprendizagem.

Por fim, oferecemos a Bruno Moreschi a oportunidade de desenvolver uma Camisa Educação, projeto da nova parceira do Prêmio seLecT, a galeria A Gentil Carioca. A camiseta será lançada em fevereiro de 2019, na exposição Abre Alas.

Os finalistas foram presenteados com exemplares da Camisa Educação