O novo homem Luis Camntizer no 3º Seminário seLecT

O novo homem

Em texto para o 3º Seminário de Arte e Educação, Luis Camnitzer recontextualiza comentários de Che Guevara sobre relações entre arte e sociedade

Luis Camnitzer

Por bem ou por mal, Che Guevara influenciou fortemente minha geração. Nunca usei uma camiseta com a imagem dele, mas prestei atenção em alguns de seus artigos e fiquei particularmente interessado quando ele falou sobre arte. Isso não acontecia com frequência, mas em “Socialismo e o Novo Homem” (sic), escrito em 1965, ele deu suas opiniões sobre o papel dos artistas na sociedade capitalista. É uma visão que em parte parece ser verdadeira mais de meio século depois, mas também com ideias que parecem românticas ou inaplicáveis, embora ainda sejam usadas hoje.

Che observou, por exemplo, que a arte e a cultura no sistema capitalista existem como uma defesa contra a “morte diária durante oito horas ou mais em que [o homem] trabalha como mercadoria, para depois ressuscitar em sua criação espiritual”, e também que a arte é uma defesa da individualidade em que as ideias estéticas contribuem para a sensação de ser único e imaculado. Tudo isso, segundo ele, é uma forma de escapar da qualidade insuportável do ambiente. R.D. Laing expressou pensamentos semelhantes alguns anos depois, quando escreveu: “Palavras em um poema, sons em movimento, ritmo no espaço, tentativa de recapturar o significado pessoal no tempo e no espaço pessoais a partir das imagens e sons de um mundo despersonalizado e desumanizado. São cabeças de ponte em território estrangeiro. São atos de insurreição.” Embora a arte e a cultura possam servir para isso, seria um exagero limitá-las a essa função.

Mais curiosamente ainda, falando sobre o artista profissional, ele escreve:

“A superestrutura força uma arte na qual os artistas devem ser educados. O maquinário subjuga os rebeldes, e apenas talentos excepcionais podem criar um trabalho próprio. O resto se torna mercenário ou é esmagado.” “A pesquisa artística é inventada para definir a liberdade, mas essa pesquisa tem limites perceptíveis apenas quando nos chocamos com eles, ou seja, quando são levantados os problemas reais do homem e sua alienação. Angústia sem sentido e passatempo trivial tornam-se válvulas de escape para o mal-estar humano: a possibilidade de uma arte de denúncia está descartada.” “Aqueles que seguem as regras recebem as homenagens; assim como poderia receber um macaco inventando piruetas. A condição é não tentar escapar da jaula invisível.”

O conceito de jaula foi posteriormente reformulado de forma incisiva por Stephen Wright em 2013, quando ele comentou: “É claro que a arte autônoma afirma regularmente que morde a mão que a alimenta; mas nunca com muita força”.

A arte não estava no topo da lista de solução de problemas de Che, e o texto do “Novo Homem” talvez contenha suas menções mais explícitas. O interesse em citá-lo aqui é porque a relação entre arte e sociedade não mudou muito no último meio século, e é revelador ouvir alguém imerso em combate político que não tem opiniões ignorantes nem dogmáticas sobre as coisas. Dependendo do ponto de vista da pessoa, a descrição de Che do artista e como os artistas se encaixam na sociedade pode ser essencialmente considerada correta, embora sua crítica ao Realismo Social e à “arte pela arte” tenha perdido relevância. Para ele, o Realismo Social é uma forma de evitar a pesquisa artística ao combinar um presente socialista com um passado estético. Ele prosseguiu, alegando que “não se pode opor realismo social a ‘liberdade’, porque isso ainda não existe e não existirá até que haja uma nova sociedade. […] Falta o desenvolvimento de um mecanismo ideológico-cultural que permita a pesquisa [artística] […].”

É aqui que Che (assim como as pessoas que pensam parecido) parece mais limitado. A arte bem empregada passa a ser o mecanismo ideológico-cultural exato necessário para uma nova sociedade livre. Ele não considerou essa possibilidade porque estava navegando pelas limitações de uma arte política baseada no conteúdo narrativo, em vez de se basear na ação. Embora estivesse tentando abrir perspectivas, ele acreditava na separação disciplinar de tarefas. Nesse sentido, o pensamento político teria papel de vanguarda e atuaria separadamente de tudo o mais. A arte estava lá para oferecer experiências e visualizar os esforços. A arte só poderia funcionar livremente enquanto os desdobramentos políticos criassem o ambiente adequado para ela. No mesmo texto, Che se queixa: “Não há artistas de grande autoridade que também tenham grande autoridade revolucionária”. Embora fosse verdade, o problema era que tampouco havia políticos com grande autoridade que também tivessem grande autoridade artística.

Che não considerou a possibilidade de que a arte pudesse ser usada para construir a liberdade que ele considerava ausente. Ou que qualquer revolução que pudesse ocorrer sem arte revolucionária e política revolucionária seria apenas parcial e, portanto, malsucedida. A política e a arte precisam trabalhar de mãos dadas a ponto de serem a mesma coisa, não apenas se ilustrarem. Na verdade, é aí que a arte se torna o componente educacional que pode redirecionar a estratégia política para ser pedagogicamente eficaz e ajudar no surgimento do “novo homem”.

Curiosamente, na mesma época que Che escrevia seu texto e mencionava a “pesquisa artística”, havia um desejo incipiente de promover a mudança para se entender a arte não como um meio de produção, mas como uma forma de processamento do conhecimento. A arte conceitual hegemônica se afastou da arte materializada e introduziu a solução de problemas, com a arte conceitualista na periferia, adicionando resistência política à mistura. O problema é que, a partir daí, os dilemas da autonomia mudaram sem serem totalmente resolvidos. Hoje trata-se de onde essa autonomia deve ser colocada, se é nos domínios do “capital cognitivo” ou da educação, com a alfabetização e a enumeração, e também quem deve ser servido por ela.

Na época de Che, seguindo sua tradição de ser artesanal, a arte era uma habilidade autônoma ou a serviço de algo. A questão de “a quem servia” era separada e reservada à análise ideológica. Hoje, a autonomia só pode ser discutida seriamente se for feita considerando todas as implicações e de uma maneira extremamente matizada. Temos que tentar entender como a mesma palavra acomoda instrumentos financeiros, frases de efeito visual espetacular, pesquisa séria na solução alternativa de problemas, construção de significados, serviço de classe e arte como prática social.

O conceito de arte de Che era mais simples e característico para pessoas fora dos círculos artísticos. Uma visão esquemática ainda estava imersa na dicotomia abstração/figuração prevalente na América Latina nos anos 1950, quando a abstração representava tanto a autonomia quanto a utopia modernista. A política deveria ser representada no conteúdo narrativo da obra de arte, algo muito mais fácil de se fazer com a figuração. Colocado desta forma, pode-se pensar que todas essas opções são ou/ou, em que uma escolha exclui todas as outras e aquelas descartadas são jogadas em uma lixeira intelectual.

Hoje pode-se dizer que nenhuma dessas reflexões sobre figuração e mensagens políticas importa muito. Mesmo que essas diferenças permanecessem relevantes, algumas delas poderiam acabar tendo um efeito cultural e muitas, não. Pode-se confiar que, se deixarmos a arte apenas acontecer como um ofício aprimorado ou como uma contribuição ao conhecimento e sem interferência racional ou orientação, ela encontrará sua própria maneira de afetar a sociedade e se instalar na cultura coletiva. Historiadores e antropólogos em um futuro distante avaliarão, então, o que realmente aconteceu. Parece, entretanto, que nesse ínterim nós trabalhamos pelo presente, e ainda é nossa responsabilidade fazer o melhor possível, uma vez que somos responsáveis por aqueles que vivem ao nosso redor.

A referência de Che à arte começa afirmando: “É na área das ideias que levam a atividades improdutivas que fica mais fácil ver a divisão entre as necessidades materiais e espirituais”. Segue-se a noção ainda predominante hoje de que arte é uma atividade de lazer. Não importa que aspecto conformando a palavra “arte” possamos escolher, ao vê-la como um meio de produção de objetos tangíveis inúteis, os resultados de alguma forma sempre recaem na área da apreciação. Devemos olhar para a arte, entendê-la e, possivelmente, apreciá-la, mesmo que não gostemos. Consequentemente, a educação artística é claramente dividida em cursos que ensinam como fazê-la e os que ensinam a apreciá-la. O bom “fazer” pode, por fim, levar a escolas de arte especializadas, com bom apreço por todas as diferentes indústrias que giram a seu redor e apoiando os produtos da arte. Em outras palavras, o foco está nas diferentes formas de como a arte apresenta sua instrumentalização, mesmo que, comparada a outras indústrias, seu nível de aplicabilidade seja baixo.

Esse foi o problema que Che enfrentou quando viu a arte como uma ferramenta para o resgate espiritual da exploração capitalista e como algo carente de liberdade em uma sociedade que começava a tornar possível a liberdade de seus cidadãos. Ele não pensou na possibilidade de ter a arte como forma de cognição ajudando nessa tarefa. Ele tampouco descreveu o que a arte poderia fazer ou parecer uma vez que a liberdade fosse alcançada. O primeiro descuido foi uma pena e o segundo, sorte. Dentro de seu conceito de arte, qualquer definição teria negado a liberdade que ele esperava.

Em vista do fracasso das revoluções políticas do século XX, a questão da função social da arte é de crescente interesse e importância. Assim como o foco em para que ela é utilizada, que é um conceito tido como certo em todos os sistemas sociais ocidentais. Deve haver um propósito prático em tudo o que fazemos, caso contrário, é luxo ou lazer. Isso condicionou o sistema educacional, fazendo-o mudar cada vez mais para a praticidade, eliminando as humanidades e as artes dos currículos e tendo que lidar com a questão de como essa coisa inútil que chamamos de arte pode ser quantificada e utilizada de forma prática. Nas sociedades capitalistas, nos últimos anos, essa inutilidade evoluiu e adquiriu valor de investimento. Os cursos de administração e consultoria artísticas estão proliferando. Na medida em que a arte é mantida nos currículos – e a maioria dos artistas hoje tem formação universitária –, os cursos de negócios e as habilidades de sobrevivência estão se tornando uma parte fundamental da formação do artista.

As galerias costumavam seguir o modelo antiquado de mercearia. Costumava-se ir à loja e comprar o que se gostasse ou precisasse. Depois de um período no formato supermercado, aperfeiçoou-se com a apresentação no estilo de feira de arte. O poder da galeria está cada vez mais concentrado nas mãos das megagalerias transnacionais, que funcionam como corretoras para mais de cem artistas cada uma. Negócios sérios de arte tornaram-se transações realizadas em papel, com certificados de autenticidade e propriedade trocados enquanto a própria arte permanece armazenada em depósitos à prova de intempéries climáticas. Enquanto isso, a pesquisa artística avança para o nível de doutorado, tornando o grau terminal mais caro, inatingível e elitista.

A inutilidade do consumo contemplativo torna-se útil por meio da economia do lazer construída em torno dele. Na arte, a “experiência” tornou-se a mercadoria que gera renda para quem tem condições de ter lazer. O processo, entretanto, não se limita ao lazer, passando a fazer parte da maioria das transações comerciais. Foi teorizado no que é chamado de “a economia da experiência”. As pessoas não trocam mais de marcas e lojas por falta de qualidade, mas pela experiência ruim ou despersonalizada proporcionada durante o processo de compra. Os clientes estão dispostos a pagar mais por um serviço eficiente e agradável em detrimento da qualidade dos produtos reais. Portanto, não é mais a obra, mas a experiência da obra que deve ser memorável. A memorabilidade da experiência é reforçada pelo espetáculo oferecido para contextualização. As pessoas então não olham para a obra, mas tiram selfies para registrar que a experiência aconteceu.

Essa situação gerou algumas resistências que se concretizaram na “arte como prática social” (incluindo a ação política) e algumas formas de pesquisa artística. Che teria apreciado ambos os aspectos, embora não correspondessem exatamente às suas expectativas. A prática social apresenta uma tendência populista e trabalha para melhorar criativamente as condições de vida na sociedade. A pesquisa artística é voltada para introduzir metodologia e teoria rigorosas no fazer artístico, atendendo principalmente ao campo da arte. O que é interessante, no entanto, é que, embora não tenham um impacto radical, esses movimentos levaram a mostrar o verdadeiro papel cultural da arte. Arte não tem a ver com objetos tangíveis, mas com uma metodologia de abordagem do conhecimento, às vezes usando objetos para esse fim, e com “criar significados”.

A “criação de significados”, entretanto, tem duas interpretações. Uma é usada na pedagogia construtivista entendida como “dar sentido” às coisas, ao colocar ordem na desordem ou ordem mal compreendida. A outra interpretação, mais ambiciosa, vai além e quer usar a arte para gerar “novos” significados. É esta que Che havia perdido. Poderia tê-lo ajudado na construção de sua utopia, o que levanta outro problema. Se criar novos significados fosse útil para construir utopias, seria contraproducente, uma vez que uma utopia não tem espaço para novos significados.

Esse foi um erro típico de muitos na geração de Che e na minha (ele era apenas nove anos mais velho que eu). Eu tive minhas próprias visões da utopia e sabia como a sociedade deveria ser. Isso me levou a me interessar por outro pensamento utópico. Aceitei alguns e rejeitei outros de acordo com a forma como combinavam com minhas crenças. Todos concordamos que o Mundo não estava funcionando e que fomos designados para melhorar a situação. O fato de estarmos onde estamos e de todas as pessoas no poder que poderiam ter ajudado a melhorar a situação serem mais jovens que eu mostra o grau de nosso fracasso. No entanto, a Utopia ajudou-me a “fazer sentido”, e usei-a na interpretação pedagógica do termo. Fazer sentido foi uma forma de pensamento crítico que ajudou a recontextualizar e rearticular meu entorno, bem como escolher as ferramentas mais adequadas para isso. Foi a sensação de que compartilhar essa utopia era socialmente útil que me fez enfocar na educação. Ao mesmo tempo envolvido em estudos de arte, trabalhei com o que aprendi lá, mas o fiz dentro das visões convencionais sobre as divisões disciplinares.

A arte nos anos 1950 era considerada um sistema de produção independente, um conjunto de ofícios com algo extra que não podia ser claramente definido. Esse extra permitia aos artistas desabafar, expressar e às vezes chocar. O desabafar tinha valor terapêutico, expressar-se ajudava na comunicação, e chocar podia ser usado para se tornar famoso ou para aumentar a conscientização. Todos os três aspectos poderiam ser calibrados para levar a sociedade a me aceitar como um grande artista ou a construir minha utopia. O fato de que qualquer uma das possibilidades seria um sinal de arrogância narcisista nem me ocorreu. O mesmo afetou meu trabalho como professor. Embora acreditasse na sala de aula horizontal, referia-me à educação como ensino, o que minava seriamente minhas teorias cuidadosamente elaboradas.

Com o passar dos anos, corrigi muitas dessas falhas. O “fazer arte” tornou-se “pensar arte” e solução criativa de problemas. “Ensinar” tornou-se trabalho em equipe e “aprender juntos”. A separação entre arte e educação tornou-se cada vez mais nebulosa, a tal ponto que hoje não vejo uma razão clara para separá-los em duas disciplinas distintas. Um ponto, porém, permaneceu problemático. Um de meus filhos me desafiou a explicar o que estava por trás das palavras “combinava com minhas ideias”.

Era algo muito simples: “combinar com minhas ideias” favorece um sistema estático construído no passado e força o futuro a se encaixar nele. A resistência à minha (ou qualquer) utopia nessas condições é compreensível. Isso não significa que minhas ideias estejam erradas. Nem significa que estou negando o direito de construir um sistema mais novo que reflita as ideias da próxima geração. Mas, no cerne disso, está a vaga questão de qual é o papel do passado em relação ao futuro. Vaga o suficiente para parecer trivial, essa questão determina nossa relação com o tempo e nossa posição em relação à ignorância. Influencia, portanto, as ideologias com as quais atuamos tanto na área pedagógica quanto na artística, e também a quem nos dirigimos.

O passado é usado como base de sustentação. Depois de identificar o que pode estar certo nessa plataforma, identificamos o que está errado, moldamos nossos valores apropriadamente e os usamos para tentar melhorar o futuro. Isso parece óbvio e “faz sentido”. No entanto, só faz sentido dentro do que sabemos. A exploração de novos parâmetros e a construção de novos significados estão impedidas. O que sabemos pertence ao passado e nossos erros não devem se tornar um legado, mas o que não sabemos pertence ao futuro, e a resposta é flexibilidade, não utopia.

Mesmo quando tenta ser progressista e utópico, o sistema educacional fica amarrado por parâmetros conhecidos. O objetivo é desenvolver competência, e a avaliação de competência não dá espaço para surpresas. Eu acredito que arte e educação são basicamente a mesma coisa, que uma pedagogia que não é criativa é uma pedagogia ruim, e uma arte que não é pedagógica é uma arte ruim, mas há uma ligeira diferença: na arte as surpresas não são apenas permitidas, mas também esperadas.

Mesmo o sistema de educação mais progressista usa palavras consagradas como portadoras de negatividade, sem contestar seu valor. “Impossibilidade” é uma, mas há muitas outras, como “ignorância”, “impraticável”, “desperdício”, “falha”, “ilógico”, etc., todas as quais são desprezadas porque não levam a maiores experiências. No entanto, embora possam não ser convenientes para a experiência vendável, são úteis para o oposto, algo que gosto de chamar de inperiência.

A palavra “experiência” vem do grego ex = fora e perior = intenção. Apesar da qualidade pessoal e subjetiva que atribuímos a ela, a experiência é como nozes para um esquilo: alcançar algo externo que então é trazido para nossas bochechas para ser consumido. Na linguagem convencional, o oposto presumido da experiência é a inexperiência, outra negativa, uma vez que se refere apenas à ausência. Se quisermos considerar a experiência como ela é, sem um valor pré-carregado, a alternativa real seria inperiência, palavra que surpreendentemente quase não existe. Em espanhol aparece como “inperiencia”, com a autoria reivindicada por Jorge Veas em 2007. Veas é um terapeuta e obstetra chileno e, em sua interpretação, a inperiência se aplica ao modo como nos relacionamos com processos internos perceptíveis e controláveis por meio da introspecção. A experiência trata de como nos relacionamos com objetos externos.

Acho inperiência mais útil quando interpretada como uma forma de enfocar as situações internas e externas. Trata-se de um processo de “insight” que não separa o interior do exterior e leva em consideração o que uma experiência pode produzir, o que é projetado na experiência e o que é projetado nos outros. Isso torna a experiência principalmente uma ação, e não um consumo. Baseia-se na responsabilidade de agir e fazer, e não em limitar-se a si mesmo na exploração dos pensamentos e sentimentos após a ingestão, assim como a capacidade e a necessidade de receber.

Em relação ao texto de Che, a liberdade, então, não é algo a ser entregue por um político para então ser experimentado. É algo a ser tomado ou criado, mas sempre influenciado, revelado e compartilhado. Como tal, constitui o fundamento da verdadeira militância, baseada em percepções compartilhadas em vez de doutrinação.

inperiencia ativa tornou-se particularmente importante hoje. Estou escrevendo este texto no meio de uma quarentena que já dura mais de quatro meses. Embora distante da vida real na prisão, a comparação é inevitável. Muito de nossa sanidade provém da introspecção e inperiência da maneira como Veas a descreveu. O confinamento das “quatro paredes” imposto pela pandemia realmente aumenta o perigo de limitar nossa inperiência à definição dele. A incidência e vivacidade do sonho multiplicou-se sensivelmente nestes poucos meses, gerando uma experiência que lembra a “Segunda Vida” e que já gerou estudos e artigos que a explicam como efeito de isolamento e falta de estímulos.

Na ausência de um público perceptível, também pode haver a tentação de voltar às formas românticas de arte que se concentram em expressões pessoais e íntimas. O público deixa de ser uma audiência e passa a ser um conceito abstrato e generalizado que pode ser facilmente ignorado por falta de confronto. Quando a sociabilização ocorre, é mediada por telas de computador, as pessoas se transformam em imagens e as performances coletivas são dominadas por saladas visuais compostas por fragmentos individualizados. Peças e shows aparecem nas redes sociais em uma nova estética inspirada no jogo “Exquisite Corpses” dos surrealistas. Música, histórias e danças compostas por unidades executadas em diferentes casas são perfeitamente costuradas para reconstruir o que poderia ter acontecido como uma performance coletiva em um palco. Um exemplo notável recente é o Lago dos Cisnes de Tchaikovsky realizado nas banheiras de membros de diferentes grupos de balé franceses.

É a diferença entre experiência e inperiência com a liberdade proporcionada por esta que explica por que há um valor negativo atribuído a palavras como “impossibilidade”, “impraticável”, “desperdício”, “ilógico”, “fracasso” e “ignorância”. A atribuição de valores predefinidos vem da ideia de experiência. Os acontecimentos têm que ser bem-sucedidos, caso contrário são “experiências ruins”. Porém, do ponto de vista das inperiências, essas palavras nada mais são do que estímulos. Impossibilidade significa que estamos pensando em um nível de imaginação mais elevado e ilimitado. Impraticável, assim como desperdício, livra-nos da aplicabilidade. Ilógico abre perspectivas ao suspender a causalidade. Falha aponta para uma incompatibilidade entre um problema inicial e uma solução que, portanto, precisa de um problema melhor formulado ou diferente. E ignorância refere-se ao campo imenso e fascinante do que não conhecemos. Está eternamente aberto para exploração, para descoberta, para mudar e criar sistemas de ordem e para nomear coisas ainda não nomeadas ou renomear aquelas que já estão. Na verdade, é o uso negativo da ignorância que limita o escopo, efeito final da educação tradicional.

A intenção negativa de todas essas palavras só ocorre quando elas são colocadas na área da aplicabilidade, ou seja, quando negociamos nossa imaginação com a realidade e encontramos os compromissos necessários. O problema é que, ao ignorar a consciência dessa etapa, também minimizamos e acabamos por perder nosso poder de imaginação. É nesse contexto que a negatividade absoluta da ignorância pode ser provavelmente mais perigosa. É a palavra mais imprecisa (podemos medir o que sabemos, mas não o que não sabemos) e é usada para rebaixar e excluir, em vez de para explorar sistemas de ordem. A educação, como normalmente vista e praticada, representa o apagamento da ignorância, não a exploração do que não sabemos ou daquilo a que não podemos ordenar. Contudo, e se a ordem de que precisamos não estiver no que foi organizado para nós, mas em algo que nós mesmos criamos? Em seu romance Borderliners, Peter Hoeg escreve:

“Organizar é reconhecer. Saber que, em um mar sem fim e desconhecido, há uma ilha em que você já pisou. Eram ilhas como essas que ela estava indicando. Com as palavras, ela havia criado para si mesma uma teia de pessoas e objetos familiares. […] Com suas listas, garantiu que tudo o que ela conheceu um dia voltaria.”

Conhecimento refere-se a um passado e à construção de um passado que nos dá uma sensação de segurança ao nos fazer aprender o que já foi nomeado e reafirmar o que é conhecido. Assim, o nomeado é integrado ao nosso conhecimento, e o mais interessante, o não nomeado, permanece encerrado na ignorância. E, então, o que ainda não se sabe só se pesquisa dentro do previsível, ou seja, o que pode ser derivado do que se sabe. É isso que o torna um processo experiencial e não inperiencial, e o que torna “imprevisível” mais uma palavra negativa. O que ainda não experimentamos foi experimentado por outros, de forma que o que se presume ter sido aprendido ocorreu por aquisição ou compartilhamento dessas experiências. Embora a Economia da Experiência só tenha assumido alguma forma teórica durante os últimos anos do século XX, é claro que a experiência, em vez da inperiência, moldou a comunicação e o comportamento por alguns séculos anteriores. Tem ajudado na construção da cultura de consumo individual atual. Na verdade, é a falta de uma metodologia clara para projetar experiências no contexto de uma pandemia o que agora está desconcertando tanto o mercado de arte quanto as instituições educacionais.

Uma vez que as experiências estão enraizadas em estímulos identificáveis, a tentação de aplicar repetibilidade e análise quantitativa é óbvia. Isso está no cerne das estatísticas e da análise de mercado. Foi também o motor de tentativas malsucedidas de quantificar as inperiências que se aplicam à arte. Notadamente entre elas, e buscando grande precisão, esteve George Birkhoff, que em 1933 propôs a fórmula M = O/C (Medida é igual a Ordem sobre Complexidade). De acordo com os cálculos de Birkhoff, a forma mais perfeita é um quadrado com M = 1,50 e lados horizontais. No entanto, ao discutir música, Birkhoff reconheceu que também se deve levar em conta o gosto e o consenso predominantes e incomensuráveis.

Mais recentemente, o físico Haroldo Ribeiro desenvolveu um algoritmo para determinar a relação entre complexidade e entropia em pinturas a fim de identificar mudanças estilísticas na História da Arte. Aplicado a 140 mil pinturas digitalizadas, o algoritmo não tem como objetivo medir a qualidade, mas ajudar na classificação de acordo com critérios formalistas. Em ambos os casos, é a mente científica experimental em busca de previsibilidade que tenta assumir tópicos não quantitativos que exploram os opostos em busca de uma utopia formalista. Felizmente, tanto a obra de Birkhoff quanto a de Ribeiro permanecem como esquisitices fúteis, assim como sistemas sociais mais ambiciosos que pretendem alcançar a imobilidade.

O que podemos ter aprendido com o vírus é que nossa relação com a tangibilidade direta e a experimentação tradicional é muito frágil. O Novo Homem não surgirá de uma confiança na quantificação. Se for o caso, as mudanças ocorrerão a partir de uma educação que reconsidera e equilibra a experiência com a força de nossos insights e inperiências, buscando fazer disto o foco. Poderá, assim, abrir a possibilidade de gerar novos significados e ordens e, portanto, o que poderemos chamar de “Pessoa [constantemente] Nova e Criativa”.

1 R.D. Laing, The Politics of Experience, Ballantine Books, 1971 (1967), p. 43-44.
2 Stephen Wright, Toward a Lexicon of Usership, p. 12, https://museumarteutil.net/wp-content/uploads/2013/12/Toward-a-lexicon-of-usership.pdf, acessado em 14/07/2020
3  Joseph Pine e James Gilmore, “Welcome to the Experience Economy,” Harvard  Business Review, jul.-ago. 1998,  https://hbr.org/1998/07/welcome-to-the-experience-economy, acessado em 12/07/2020
https://medicinayemocion.blogspot.com/2007/03/experiencia-o-inperiencia.html?fbclid=IwAR1ABWuVK2JcVRg9fdWycpExz8O3OVcYr3CJhQBESPNyNYOf3fBsBPldphE acessado em 12/ 07/2020.
5  Peter Hoeg, Borderliners, Farrar, Strauss and Giroux, 2013
6 George Birkhoff, Aesthetic Measure, Harvard University Press, 1933, p. 47 
7  Ibid. p.11
8  Jess Romeo, “Entropy in Art”, Scientific American 04/2019, p. 16

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Luis Camnitzer é artista, curador e professor. Foi curador de artistas emergentes no The Drawing Center, em Nova York; curador pedagógico da 6ª Bienal do Mercosul, curador pedagógico da Fundação Iberê Camargo, e assessor pedagógico da Coleção Patricia Phelps de Cisneros. Vive e trabalha em Nova York, onde atua como professor emérito da Universidade do Estado de Nova York

Tainá de Paula: educação é chave para derrubada do fascismo Tainá de Paula (Foto: Fernanda Dias)

Tainá de Paula: educação é chave para derrubada do fascismo

Para a arquiteta, urbanista e ativista, uma agenda de arte e cultura só será possível quando restabelecermos os processos democráticos

Nina Rahe

Antes de se tornar arquiteta e urbanista, Tainá de Paula chegou a pensar em ser bailarina. A dança, de acordo com ela, era um movimento de entendimento de si mesma. “Queria entender meu corpo, me entender negra, me entender uma mulher grande dançando e me movimentando”, diz à seLecT. Mas foi a escolha pelo curso de arquitetura na Universidade Federal Fluminense (UFF), onde era uma das únicas estudantes negras, que a levou adiante. Hoje copresidente do Instituto de Arquitetos do Brasil do Rio de Janeiro e mestre em Urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Tainá já desenhou projetos de urbanização para habitação popular e favelas no Rio e em São Paulo, promoveu assistência técnica para movimentos como o dos Trabalhadores sem Teto (MTST) e a União de Moradia Popular (UMP) e trabalhou pela regulação fundiária de favelas fluminenses na Fundação Bento Rubião. “A arquitetura é um movimento bonito no sentido de construir sonhos e torná-los realidade. Acho que transformar a vida das pessoas me encantou mais do que me autoconhecer.”

A arquiteta, que já chegou a se definir como uma decolonizadora radical das entranhas desse país, é palestrante do encerramento do 3º Seminário seLecT de Arte e Educação, que será transmitido ao vivo nesta terça-feira, 22/9, às 16h, no Youtube da seLecT. O seminário é a terceira etapa do Prêmio seLecT de Arte e Educação, promovido pela revista seLecT desde 2017 com o objetivo de valorizar escolas, instituições de arte, espaços de ensino, projetos artísticos colaborativos e iniciativas inovadoras que favoreçam os diálogos e os vínculos entre arte e educação. A terceira edição tem correalização do Itaú Cultural, apoio da galeria Almeida e Dale, e parceria da galeria A Gentil Carioca e da Arapuru London Dry Gin.

seLecT: Em uma conversa com Guilherme Wisnik, intitulada “E depois do fascismo vem o quê”, você faz um diagnóstico sobre o que nos levou ao contexto atual e comenta que, embora a derrubada seja algo dado, o fascismo ainda não encerrou seu ciclo. Como resistir a esse cenário e consolidar uma sociedade com bases sólidas?
A primeira coisa é estabelecer um processo de repactuação com a sociedade, entendendo nossa crise institucional, democrática e os limites impostos por esse nosso neofascismo, mas também que a gente precisa dialogar amplamente. É um contexto tão adverso que se colocou – por conta do longo período de agravamento de crise, da vulnerabilidade econômica, sanitária – que existe um desencantamento e uma letargia no que se refere aos movimentos que poderiam nos levar à saída disso. O discurso do ódio e a construção desse ultraconservadorismo estabeleceram na sociedade brasileira um movimento letárgico que fez com que a gente não consiga perceber as movimentações necessárias para que outra etapa aconteça. Temos problemas gravíssimos, como a retirada de direitos, o sucateamento no SUS, as queimadas no Pantanal, uma lista na base das centenas de itens que poderiam provocar convulsões sociais e não estão provocando. A gente perdeu a capacidade de estabelecer os arranjos para a construção de um pacto social e, para provocar esse pacto, precisamos reeducar a mídia que, em grande medida, produziu essa esfera de ódio na nossa sociedade. A gente construiu um processo de criminalização da esquerda num contexto midiático e hoje se faz necessário estabelecer que todo contraponto ao bolsonarismo é importante de ser valorizado enquanto discurso. Por outro lado, a gente precisa provocar na sociedade civil sensações que não sejam a banalização do mal e voltar a falar de temas urgentes, como a fome, a população em situação de rua. Se nos anos 1990, a partir de Betinho, a gente criou termos como “Quem tem fome tem pressa”, que ajudaram a consolidar como norma pacotes e programas sociais governamentais, a gente precisa provocar na sociedade civil um engajamento para que se volte a discutir os problemas centrais do Brasil. Nos últimos anos, o problema central foi a corrupção e isso foi massificado de norte a sul do país em todos os meios de comunicação. É preciso que a gente reconstrua qual é a pauta que nos une e tenho certeza que não é o armamento da população, nem a corrupção.

Qual é o papel da educação nesse cenário?
Não quero entrar no jargão de que a gente resolve tudo com a educação, mas a educação é o instrumento chave para a derrubada do fascismo. E como a gente reeduca uma nação bolsonarista? Por mais que ache pesado o termo, porque me recuso a acreditar que o Brasil se resuma a isso, a gente vive em uma nação onde, de saída, 30% da população flertam com esse ultraconservadorismo. E, nesse sentido, as próximas gerações vão ter passado por um processo de formação extremamente conservador.

A pandemia tornou evidente a conversão do cidadão em consumidor – pela pressão por aberturas de shoppings e cinemas em detrimento de uma discussão sobre a retomada do espaço público. Como reverter esse quadro?
O capitalismo deixou as nações capitalistas despidas nesta pandemia no sentido de que ele é incapaz de lidar com os problemas urgentes das sociedades. O capitalismo tenta responder a essa avalanche de contradições e à necessidade de imposição de outros sistemas. Vimos as discussões sobre o Sistema Único de Saúde ao longo da pandemia e até os Estados Unidos entregaram cheque de mil dólares em cada casa americana. São iniciativas anticapitalistas e multissistemas que foram surgindo e estão sendo estudadas ao redor do mundo. Nunca foi tão fácil discutir taxação de grandes fortunas, justiça tributária e por aí vai. Estou achando curioso os caminhos dentro do mundo neoliberal para a social-democracia e o Brasil, que bebeu da social-democracia, entre idas e vindas, está abrindo mão e destruindo o legado que hoje serve de referência pro mundo inteiro. O SUS é um debate importante de se fortalecer, assim como as universidades públicas, que são as instituições que sustentam o Brasil da barbárie completa. Um dos movimentos da sociedade, nesse sentido, é o de sobreviver e, na sobrevivência, você tem pouca capacidade de resposta, e a classe média tenta sobreviver por aparelhos, se adequando a esse novo meio de consumo e se retraindo e aceitando ser precarizada sem muito questionar. Existe uma mudança de comportamento de consumo e as pessoas estão sendo empurradas para um consumo que já não faz mais sentido. Devíamos estar fazendo o caminho inverso. Como falamos de comércios locais e não de grandes pontos de concentração de consumo? Os shoppings, mesmo com a vacinação em massa, sempre serão lugares de risco de contágio. Então não vamos discutir isso? A gente tem um modelo de shopping, de estruturar gigantes, que é datado dos anos 1970 e 1980, e ainda não foi remodelado a partir das novas tendências de consumo. O que os Estados Unidos e a Europa têm feito é estruturar os shoppings com capacidade resiliente, utilização de energia solar e eólica, alta sustentabilidade em consumo alimentar etc. Há todo um acúmulo que está focado já no século 21 e que o Brasil sequer chegou a atingir. Agora a gente reabre esse espaço, que antes da pandemia já estava todo errado, sem construir um debate sobre consumo. A gente precisa estabelecer essa discussão para ontem e isso se faz a partir de uma legislação nova e de executivos preparados para lidar com os problemas urbanos e sociais do século 21.

Tainá de Paula (Foto: Andrea Capella)

 

No livro Desobedecer, Frédéric Gros faz uma reflexão sobre a democracia crítica e uma desobediência que questiona as estruturas hierárquicas e os hábitos sociais. Desobedecer é preciso? E como é possível desobedecer sem ir para as ruas?
Queria tanto que a gente conseguisse promover desobediências civis. A vacinação se faz urgente e vai ser central para reestruturar essa aglutinação no espaço público. Mesmo entendendo que o cenário será outro quando a gente puder aglomerar grandes atos, não se pode perder de vista a importância de ações de insurgências tradicionais. O Brasil viu grandes concentrações fazerem grandes mudanças e isso pode ser um contexto perdido da nossa história, mas ações recentes como “Ele não”, na minha opinião, não podem ser diminuídas. Que a gente consiga logo fazer o “Ele não”, pois acredito que fará toda diferença, pensando já em 2022. Os encontros coletivos criam um imaginário muito importante e uma construção subjetiva que precisa ser restabelecida. Outro ponto importante é pensar como a gente faz uma reconstrução dos nossos pactos. O Lula recentemente lançou um vídeo que achei superinteressante – e não é tudo que ando concordando com ele –, fazendo um chamado: “as pessoas querem saber de arma e ódio ou querem saber de fome e comida?” É uma questão que cola e está pegando muito. Eu sou de uma família que não acessava a carne com normalidade, com regularidade, e isso era uma conquista. O que virá em 2021 é uma miséria profunda, com um desemprego jamais visto no cenário recente brasileiro, de modo que a discussão dessas pautas centrais é muito aglutinadora. E, em um último sentido, o melhor domínio das redes sociais vai ser muito importante. Acho que existe uma insurgência digital para a gente construir que não sei como se faz não, mas, na minha opinião, na guerra cultural digital, ela precisa ser mensurada. São três coisas: como voltamos para a rua, como falamos da nova pauta central que nos une e como formulamos melhor nossa guerrilha digital.

Você já disse que não há nenhuma outra forma de estabelecer uma revisão do Brasil se a gente não arrancar as entranhas da colônia. Qual o papel da arte nesse sentido?
É impressionante como a cultura e a arte, de modo geral, foram peças-chave num processo de fascistização recente. Não à toa a gente tem a destruição do Ministério da Cultura e existe um ataque tão bem orquestrado contra – a arte é extremamente libertadora e instigadora de novos processos, tem a capacidade de, mesmo em contexto adverso, de fome, de ampla dificuldade social, desconectar o indivíduo da sua realidade e transportá-lo para um outro mundo de possibilidades, no qual pode discutir sua existência, seu papel social e a sua relação com as chaves de poder. É por isso, se quero colonizar e submeter às múltiplas violências esse indivíduo, a primeira coisa que vou fazer é arrancar a capacidade de reflexão e de consciência e a arte vira alvo principal do meu projeto de poder. O Bolsonaro é muito transparente em como escolheu atores e atrizes políticos para destruir a arte e replica passagens do fascismo com brilhantismo, como sua fotografia no barbeiro enquanto se nega a estar presente em uma reunião com o presidente da França, em alusão à imagem clássica de Hitler. Para mim, existem alegorias dessa nova forma de performar o mal que são muito concretas. A guerra cultural está declarada, Bolsonaro diz a que veio, e tem pesquisadores intelectuais desse fascismo e dessa forma de construir narrativas para que a guerra cultural aconteça desse jeito. Não o vejo capaz de criar essa narrativa sozinho. Existe uma intelectualidade obscura ali, por mais que a gente não queira admitir.

O artista e pedagogo Luis Camnitzer diz que a arte e a educação, quando bem compreendidas, são mais ou menos a mesma coisa. Você concorda?
A arte em um país desigual e capitalista é restrita aos setores que podem pagar por ela. Uma forma de burlar isso com iniciativas de inserção e possibilidades de produção seria através dos espaços escolares e domésticos. Eu sei perfeitamente o papel da arte e como ela opera junto à educação, mas existe um movimento anterior que é o de restabelecimento dos processos democráticos que podem tornar essa atuação como regra. O acesso à cultura a partir da produção periférica, popular, e de iniciativas de arte e cultura nos nossos equipamentos escolares, só pode se dar a partir de políticas públicas e, em um governo conservador, isso vai ser inviabilizado. Como a gente cria indivíduos que demandem isso? Saiu uma pesquisa recente que a grande maioria da população não quer ensino de teatro nas escolas e não quer porque acessa um movimento com uma chave conservadora. É preciso entender essa estrutura e fazer com que ela gire para o que a gente tem de certeza de visão democrática de mundo. É claro que eu queria que todo mundo fosse progressista, antirracista e gostasse dos direitos fundamentais, porém o debate que está colocado não é gostar ou deixar de gostar, mas estabelecer entendimentos de que numa sociedade é preciso criar pontes entre todos os setores sociais, o que está interrompido. Adoraria que todo mundo fosse LGBT, acho a bissexualidade o futuro, mas acho que antes é fundamental a gente saber lidar com a diferença e agora existe uma estrutura totalmente reacionária e antidemocrática. E isso é consequência também de um ensino educacional falho e incoerente. Faltou politizar as pessoas, qualificar os nossos debates, instituir uma agenda antirrascista séria, que fortalecesse movimentos, que inserisse a discussão de classe. O que vejo é uma classe média enlouquecida reforçando as opressões e desigualdades.

Em entrevista à seLecT, a curadora e educadora Sepake Angiama, que também é palestrante do 3º Seminário de Arte e Educação, falou sobre como os museus, em geral, desempenham a manutenção do status quo e, ao lado de outras instituições, também alimentam uma cultura de dominação. Qual o papel da arquitetura nesse processo e como trabalhar por um espaço museológico que seja mais inclusivo e traga a periferia para o seu centro?
Começo dizendo que nesse contexto a gente vai ter muita dificuldade de implementar uma agenda de arte e cultura da periferia, mas sou amplamente defensora e uma das vozes que discute o debate da descentralização da produção da arte, entendendo a arte como produção de cultura e de processos de transformação cultural que precisamos estabelecer no Brasil. Abandonar o centro é como a gente inverte as lógicas do nosso tempo e investe nos nossos produtores da periferia porque, além da ampla resiliência, eles estão preparados para restabelecer esse diálogo. A gente precisa potencializar essas vozes. Talvez o papo reto dessa arte marginal seja o caminho para a reconstrução do Brasil. Agora, em relação à arquitetura, o contexto econômico do Brasil é muito adverso e a arquitetura vai beber nesse cenário porque é uma arte que precisa de um bom cenário econômico para se erguer. Mas entendo também que a gente talvez possa lançar mão das insurgências e da necessidade de construção de guerrilha. Tenho pensado muito sobre como conseguimos viabilizar centros comunitários e centros locais, que se fazem urgentes nesse contexto de país porque ajudam a estabelecer um mundo possível. A arquitetura é um portal para uma outra sociedade e precisamos pensar em uma arquitetura que resolva nosso contexto pós pandemia e ajude a reverberar um modelo de sociedade.

Além da sua atuação nas lutas urbanas, você também já mencionou que a maternidade foi um mergulho na causa feminista. O que mudou quando você se tornou mãe?
Quando me tornei mãe, mudou muita coisa. Sem dúvida alguma, a gente tem uma privação de liberdade por conta da maternidade, uma sobrecarga mental e de tarefas enormes. Tem uma maternidade compulsória construída na nossa sociedade que nos impacta diretamente e a forma que a gente consegue se entender enquanto indivíduo depois da maternidade é muito distante da de antes, na capacidade de trabalho, de criar tempo, desde o lazer até o acesso a cultura. Desde que me tornei mãe, invisto muito nesse debate das dificuldades que a mulher tem na sociedade, desde o parir até o acesso a políticas públicas eficientes. Meu giro na vida, no trabalho, no cotidiano da política, se deu muito por conta do nascimento da Aurora.

Você é candidata a vereadora pelo PT e já foi candidata a deputada estadual pelo PCdoB no Rio de Janeiro. O que te levou a entrar na política?
Pode ser uma coisa muito idealista de dizer, mas foi a vontade de mudar o mundo. Eu venho da periferia do Rio de Janeiro, da praça Seca, em Jacarepaguá, e desde muito nova queria acessar espaços de transformação, de debate coletivo. Ingressei muito nova na pastoral de favelas, comecei a minha militância jovem e queria fazer parte disso de alguma forma. Nunca me entendi como uma figura público-política, mas sempre construí política, desde o meu cotidiano na periferia até a universidade e minha vida profissional. Acho que me entendi como uma figura público-política no movimento feminista. Ali participei ativamente de atos de rua e compreendi minha capacidade de mobilização e de liderança, porque a gente não vê muitas lideranças negras, mulheres periféricas na política. A gente tem Benedita da Silva, teve Marielle Franco, Jurema Batista, mas a ampla maioria é de figuras que são exatamente o oposto do que a gente é, então, me colocar nesse lugar foi muito importante pra entender que é fundamental garantir uma democracia que tenha negros e negras nos espaços de poder.

Educar é mais importante do que colecionar O artista Luis Camnitzer em retrato de 2012 (Foto: Divulgação)

Educar é mais importante do que colecionar

Palestrante do 3º Seminário seLecT de Arte e Educação, Luis Camnitzer fala sobre a urgência de repensar a função dos museus

Nathalia Lavigne

Usar a arte para estabelecer conexões a partir de um fazer coletivo esteve desde sempre entre as principais abordagens do artista, crítico e pedagogo Luis Camnitzer. Sua frase-instalação “O Museu é uma Escola: o artista aprende a se comunicar, o público aprende a estabelecer conexões” resume alguns dos aspectos fundamentais em sua trajetória de mais de cinco décadas. Idealizada em 2009 e exibida desde 2011 em fachadas de mais de 20 instituições, entre elas o Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 2016, a instalação é um dos trabalhos mais conhecidos do artista nascido na Alemanha (1937), criado no Uruguai e radicado em Nova York desde 1964. Foi lá que iniciou sua produção como integrante do coletivo The New York Graphic Workshop (1964-1970), e junto com outros latino-americanos imigrantes como Liliana Porter e Luis Felipe Noé explorou técnicas democráticas de impressão e a combinação entre imagem e palavra.

Desde então, Camnitzer construiu uma obra múltipla e em diversas frentes, mas que muitas vezes levam a uma mesma conclusão: “O que falo é quase sempre igual: que a arte e a educação, quando bem compreendidas, são mais ou menos a mesma coisa”, afirma à seLecT. Nesta entrevista, ele comenta sobre o desmantelamento das estruturas comunitárias, reforçada pelo atual contexto, e do papel da arte como um instrumento utópico de sobrevivência.
O artista é o palestrante inaugural do Seminário seLecT de Arte e Educação, que será transmitido ao vivo na plataforma da seLecT no Youtube: youtube.com/c/selectartbr. Na palestra The New Man, na terça feira 15, às 16h, ele fará uma recontextualização para os dias de hoje das ideias de Che Guevara sobre arte e sociedade.
O seminário é a terceira etapa do Prêmio seLecT de Arte e Educacão, uma iniciativa organizada pela revista seLecT desde 2017, criada para valorizar e incentivar escolas, instituições de arte, espaços de ensino, projetos artísticos colaborativos e iniciativas inovadoras e experimentais que favoreçam os diálogos e os vínculos entre arte e educação. A terceira edição tem co-realização do Itaú Cultural, apoio da galeria Almeida e Dale, parceria da galeria A Gentil Carioca e da Arapuru London Dry Gin.

seLecT: Começo com uma pergunta genérica, mas inevitável nesse contexto: como tem passado nesses últimos meses e que impacto acredita que essa pandemia terá tanto na produção da arte atual quanto em novas formas de percepção artística?
Luis Camnitzer: Entre os trabalhos artísticos que tenho visto, noto muito uma produção realizada coletivamente como um quebra-cabeças, especialmente na música e na dança, criadas com vários participantes em fragmentos individuais, desde suas casas, e depois editadas para formar um todo coerente. É algo muito engenhoso, um pouco como os contos e poemas ao estilo dos “cadáveres esquisitos” surrealistas. Mas, a longo prazo, esse é também um formalismo um pouco cansativo. De forma geral, acho que há uma tendência, inclusive um perigo, de dar primazia à introspecção. Existe a possibilidade de perdermos de vista nosso compromisso social com uma comunidade com a qual só devemos ter um contato mediado. Estou, por exemplo, fazendo muitas coisas por Zoom e noto que é como falar para o vazio. Não há como perceber a linguagem corporal do público, nem mesmo uma risada quando alguém faz uma piada. Tudo isso dá a impressão que o universo se limita às quatro paredes da casa e que as angústias pessoais são mais importantes que o bem comum. Dentro de alguns anos, saberemos se isso terá um efeito duradouro ou não e quais os efeitos na arte.

Versão de O Museu É uma Escola no Matadero, Madri, em exposição de 2015 (Foto: Divulgação)


Em seu ensaio O Museu É uma Escola, o senhor afirma que a função de uma obra de arte é nos apresentar não apenas algo que não conhecemos, mas também o que não é conhecível. Acha que esse papel é ainda mais importante hoje, quando o mundo, como o conhecíamos, desapareceu?
A arte é útil para especular e explorar tudo sem limites. A sociedade e seus sistemas de ensino nos fazem acreditar que o que importa é saber memorizar o que já se sabe e, depois, ver o que se pode deduzir desse conhecimento. Com a arte, por outro lado, podemos saltar no vazio e viajar por aquele campo que geralmente é descartado como algo negativo e que chamamos de “ignorância”. No entanto, esse campo, bem compreendido, é justamente onde existem coisas que ainda não têm nome e, portanto, são livres. É o que chamamos de “mistério”, uma palavra arruinada pela religião porque tenta manter o mistério encerrado em seus dogmas. Na arte, mistério é algo que nada tem a ver com obscurantismo; é o estímulo que nos faz imaginar continuamente para desvelá-lo. É por isso que a arte é uma metadisciplina do conhecimento e não apenas uma forma de produzir objetos.

Muito se comentou, no início da pandemia, o fato do MoMA-NY e outros grandes museus terem demitido suas equipes do setor educativo, ao invés de treiná-los para migrar as atividades para o on-line. Qual a sua opinião sobre esses episódios? Como adaptaria algumas de suas ideias sobre o papel pedagógico dos museus para o mundo digital?
Este é o momento de reconceitualizar a função dos museus e assumir a responsabilidade de que educar é mais importante do que colecionar. O que a maioria dos museus está tentando fazer é preservar o passado em um formato reduzido e com o mínimo de perdas possível, ao invés de enfrentar o desafio de uma situação sem precedentes em nossa memória, que nos oferece a oportunidade de olhar para essa nova realidade como um marco zero. O que o MoMA fez é reacionário, estúpido e cego, se tentarmos olhar para o futuro. É o momento de reeducar a equipe curatorial para assumir responsabilidades pedagógicas e ampliar sua equipe pedagógica, e não de apagá-la. É hora de redesenhar a comunicação com o público e deixar de ser a única organização centrípeta tradicional para ser igualmente centrífuga, com diálogos criativos de mão dupla. A missão de um museu não deve ser fazer com que o público conheça as obras que tem ou expõe, mas sim ajudar o público a ser um agente criativo, que ajude na construção de uma sociedade melhor.

Entre as iniciativas feitas por museus, nesse período, estão as campanhas colaborativas em redes sociais, como pedidos para que as pessoas reencenassem em suas casas versões de obras de arte conhecidas. Muitas estão reunidas na hashtag #betweenartandquarentine, criada pelo Rijkmuseum, da Holanda, e copiada por outras instituições. Como vê essas iniciativas? Acredita que são válidas como formas de interlocução e tentativa de tornar a arte democrática e coletiva?
A recriação performática de obras de arte produz resultados divertidos, mas conceitualmente isso nada mais é do que um refinamento do consumo de obras de arte, semelhante ao ato de copiar uma pintura famosa. É algo que provavelmente será útil para as relações públicas das instituições, mas duvido que tenha algum impacto na democratização da arte. Pode divertir como espetáculo, mas não acredito que gere novos conhecimentos.

A Bienal do Mercosul foi um dos eventos que precisou cancelar as exposições, levando suas atividades para o espaço digital. A apresentação dos trabalhos não me parece ter funcionado bem na plataforma criada, mas houve um esforço grande de se criar uma programação educativa on-line. Como vê essas transformações depois de ter realizado a curadoria pedagógica na 6ª edição desta bienal, em 2007?
Infelizmente não tive a oportunidade de acompanhar esta Bienal do Mercosul. Sou amigo de Andrea Giunta há muitas décadas e tenho total confiança em seu trabalho. Com esta edição, em particular, a situação era difícil porque a pandemia começou quando a bienal já estava planejada. Mas diria que em geral as bienais estão enfrentando problemas similares aos museus, com a tentação de resgatar os formatos do passado e transferi-los para as telas dos computadores, ao invés de buscar um novo começo a partir da crise. Quanto trabalhei na 6ª Bienal (2006-7) com Gabriel Pérez-Barreiro, tínhamos consciência que o formato tradicional das bienais era obsoleto e tratamos, ainda que timidamente, de criar uma situação relacionada com o conhecimento ao invés do consumo. Enfatizou-se a formulação e solução de problemas, a participação da escola neste processo e a educação pública por parte do público. Quando aceitei o cargo de curador pedagógico, foi com a condição de que a equipe funcionasse permanentemente e não vinculada a cada bienal. A diretoria acatou as condições, mas infelizmente não as cumpriu, e a bienal voltou a depender da boa vontade do curador-chefe em cada uma de suas edições. Algumas bienais, portanto, se preocuparam com a parte pedagógica e outras com o estrelato curatorial. Perdeu-se a continuidade pedagógica e a possibilidade de se adaptar construtivamente às circunstâncias e, assim, minimizar o impacto das crises.

Gostaria que comentasse um pouco sobre o tema da palestra The New Man, que trata da recontextualização dos comentários de Che Guevara sobre arte e sociedade.
Talvez por causa da quarentena comecei a revisar minha própria formação de uma forma introspectiva e encontrei esse texto de ‘Che,’ que foi uma carta escrita ao diretor de um jornal para o qual eu estava trabalhando na época, o semanário uruguaio Marcha. [O texto deu origem ao livro Socialist and Man in Cuba, 1965]. Isso coincidiu com minha preocupação com o isolamento individualista produzido pela quarentena. Já se passaram seis meses. Tirando poucas e cuidadosas interrupções, vivo confinado. É uma espécie de prisão domiciliar. Isso me fez revisar meu conceito de “experiência” e contrapor ao que chamo de “in-periencia”, que é uma forma de usar o interno para processar o externo em forma de militância social. Em tudo isso há convergências e divergências com o que Che mencionou sobre arte e me pareceu um tema interessante para que pessoas mais capazes do que eu elaborem melhor mais tarde. Gostaria muito de poder ler mais material sobre isso.

Em um texto para o catálogo da VI Bienal de Havana (1977), o senhor menciona algo semelhante, sobre o desmantelamento das estruturas comunitárias e a destruição da noção de nós. Como falar sobre isso no atual contexto?
Relendo esse texto, 23 anos depois, parece que a situação é muito pior. Aos poucos, está se instalando o que chamo de “palhaçocracia” nos governos – mas com pessoas medíocres até como palhaços, pois não conseguem fazer ninguém rir. São pessoas que vivem em uma cápsula narcisista e não entendem que existe um “nós”, e que quem está trabalhando em um governo é contratado para alimentá-lo e apoiá-lo. No contexto atual, isso se tornou mais agudo. Estar em situação de quarentena, rompê-la (ou pelo menos não usar máscara), agindo fisicamente sobre o “nós”, é uma forma de contaminar e destruir a comunidade. Ao respeitá-la, ficamos isolados e o “nós” se torna virtual, corre-se o risco de se tornar uma memória nostálgica. A resistência, como escrevi naquela época, está em manter a consciência utópica de sobrevivência, não aceitar a possibilidade de derrota e usar a arte como instrumento de manutenção da saúde mental.

Programação do 3º Seminário de Arte e Educação

Programação do 3º Seminário de Arte e Educação

Com palestras de Luis Camnitzer, Dora Longo Bahia, Tainá de Paula e Sepake Angiama, o evento virtual é a última etapa de seleção do 3º Prêmio seLecT, em que os onze finalistas apresentam seus trabalhos 

Cerca de 700 artistas e formadores de 26 estados brasileiros se inscreveram no 3º Prêmio seLecT de Arte e Educação entre 1º de junho e 31 de julho de 2020. Duas fases de seleção dos projetos já ocorreram, restando apenas a última delas. Trata-se do 3º Seminário seLecT de Arte e Educação, que ocorre nos dias 15, 16, 17 e 22 de setembro, virtualmente, pelas plataformas digitais da revista seLecT. No evento, serão apresentados e discutidos os onze trabalhos finalistas e ocorrerão palestras de pesquisadores convidados. Gratuito, o seminário é voltado para estudantes, artistas, pesquisadores, outros interessados e especialistas da área.

Na primeira fase de avaliação do 3º Prêmio seLecT, coube à Comissão de Seleção, formada por Luana Fortes, Moacir dos Anjos, Renata Bittencourt e presidida por Giselle Beiguelman, pré-selecionar 23 projetos – 20 das categorias Artista e Formador e 3 da categoria Camisa Educação –, dentre os inscritos. Na segunda fase, as obras pré-selecionadas pela Comissão de Seleção foram conhecidas, analisadas e discutidas pela Comissão de Premiação, também presidida por Giselle Beiguelman, integrada por Diane Lima, Heloisa Buarque de Hollanda, Paula Alzugaray e Valéria Toloi, que selecionaram o vencedor da categoria Camisa Educação e os onze projetos finalistas – cinco na categoria Artista e cinco na categoria Formador – a serem apresentados pelos proponentes na terceira fase.

Como abertura do seminário, que acontece na terça-feira 15 de setembro, às 16 horas, a palestra The New Man, com Luis Camnitzer, em que o artista, curador e professor procurará recontextualizar para os dias de hoje os comentários feitos por Che Guevara sobre as relações entre arte e sociedade. No mesmo dia, às 17 horas, acontece também a palestra Arte e Educação: Relação ou Contato – a Articulação de Zonas de Irresponsabilidade como Princípio de Formação Artística, com a artista e professora Dora Longo Bahia. Ambas mediadas pelo pesquisador Cayo Honorato, as palestras serão transmitidas ao vivo pelos canais do YouTube e do Facebook da revista seLecT, com tradução simultânea e interpretação em libras. 

Nos dias 16 e 17 de setembro, quarta e quinta-feira, das 16 às 18 horas, os onze proponentes finalistas apresentarão seus projetos, de maneira mais detalhada, aos membros da Comissão de Premiação e ao público. Essas apresentações ocorrerão via sala de videoconferência no Zoom e poderão ser assistidas de forma simultânea e gratuita mediante inscrição prévia (Para se inscrever, clique aqui para as apresentações dos artistas e aqui para as apresentações dos formadores!). As gravações dessas apresentações também serão disponibilizadas nas redes da revista seLecT e do Prêmio seLecT na sexta-feira 18/9.


Na terça-feira da semana seguinte, 22 de setembro, às 16 horas, acontecem as palestras de encerramento do Seminário, com a curadora e educadora Sepake Angiama e com a arquiteta e urbanista, ativista das lutas urbanas e mobilizadora popular Tainá de Paula, também mediadas por Cayo Honorato e transmitidas ao vivo pelos canais da revista seLecT no YouTube e no Facebook, com tradução simultânea e interpretação em libras. Logo depois, às 18 horas, acontece, enfim, o anúncio dos premiados do 3º Prêmio seLecT de Arte e Educação, nas categorias Artista e Formador, que receberão R$ 20.000,00 cada um, a dupla premiada já divulgada Andréa Hygino e Luiza Coimbra da categoria Camisa Educação, que terá seu projeto executado e lançado pela Galeria A Gentil Carioca e os premiados da mais nova categoria Arapuru.  

O Prêmio seLecT tem a satisfação de anunciar a grande novidade desta edição, uma nova categoria de premiação em dinheiro, graças ao apoio do Arapuru London Dry Gin. Para o desenvolvimento futuro dos projetos finalistas do Prêmio seLecT, a marca de bebidas destinará o valor de R$6.000,00 para um artista finalista e de R$6.000,00 para um formador finalista, que serão distribuídos periodicamente, a partir de um percentual extraído da venda de garrafas. Os dois premiados nesta categoria também serão escolhidos pelo Júri de Premiação.

 

Conheça os palestrantes

Luis Camnitzer é artista, curador e professor. Nascido na Alemanha em 1937, emigrou para o Uruguai com apenas 1 ano de idade. É graduado em escultura pela Escola Nacional de Belas Artes da Universidade da República do Uruguai. Já recebeu prêmios importantes, como o Prêmio Frank Jewitt Mather (2011), da College Art Association dos Estados Unidos, o Prêmio Grabador Emérito (2011), da Southern Graphic Conference International, e o Prêmio USA Ford Fellow (2012). Suas obras integram coleções como as do MoMA-NY, a do Museu Reina Sofía, em Madri, e a da Tate Gallery, em Londres. Participou de exposições como a Bienal de Veneza, a Bienal de São Paulo e do Museu Reina Sofía. Além disso, foi curador de artistas emergentes no The Drawing Center, em Nova York, de 1999 a 2006, curador pedagógico da 6ª Bienal do Mercosul, curador pedagógico da Fundação Iberê Camargo, de 2007 a 2010, e assessor pedagógico da Coleção Patricia Phelps de Cisneros. Atualmente, vive e trabalha em Nova York, onde atua como professor emérito da Universidade do Estado de Nova York.

Dora Longo Bahia é artista e doutora em Poéticas Visuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), com pós-doutorado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP). Atualmente, é professora no Curso de Artes Visuais da ECA-USP e coordenadora do grupo de pesquisa Depois do Fim da Arte. Suas obras se desdobram em vários suportes, como pintura, fotografia, instalações sonoras, filmes e livros. A partir do fim dos anos 1980, quando se graduou em Educação Artística pela Faap, participou de exposições e festivais nacionais e internacionais e recebeu diversos prêmios. Entre eles, o 7º Prêmio Marcantonio Vilaça, em 2019, e a Bolsa Zum/IMS, em 2016. Participou, em 2019, da Bienal Sur, em Buenos Aires, em 2018, da 9ª Bienal de Busan-Divided We Stand, na Coreia do Sul, e do 35º Panorama da Arte Brasileira, em 2017. 

Sepake Angiama é diretora artística do Institute for International Visual Art em Londres. Atua como curadora e educadora, cuja práxis se encontra no âmbito discursivo e social, a fim de reescrever coletivamente o entendimento sobre o mundo. Isso a inspirou a trabalhar com artistas que perturbam e provocam aspectos da esfera social por meio de ações e outras formas radicais de pedagogia e arquitetura. Quando coordenadora de Educação da Documenta 14, deu início ao projeto Under the Mango Tree – uma reunião auto-organizada de práticas de desaprender. A segunda edição (Visva Bharati, Santineketan) reuniu espaços geridos por artistas, livrarias e escolas interessadas no desenvolvimento de discursos em torno da descolonização de práticas educativas que desestabilizam o cânone europeu, por meio da análise de epistemologias alternativas, noções de desaprender e conhecimentos indígenas. A próxima edição do projeto Under the Mango Tree ocorrerá em Porto Rico, em 2022, com foco em epistemologias indígenas, aprendizagem land based e artesanato. Angiama foi também coordenadora de Educação da Manifesta 10, no Hermitage Museum, em São Petersburgo. Sua pesquisa Her Imaginary endereça como a ficção científica, o feminismo e formas sociais de arquitetura podem aproveitar as ferramentas perfeitas para capturar uma pedagogia da imaginação social e política.

 

Tainá de Paula é arquiteta e urbanista, ativista das lutas urbanas. Atuou em diversos projetos de urbanização e habitação popular, realizando assistência técnica para movimentos de luta pela moradia como União de Moradia Popular (UMP) e Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST). Hoje presta assistência para o movimento Bairro a Bairro, onde atua como arquiteta e como mobilizadora comunitária em áreas periféricas.

Cayo Honorato é professor no Departamento de Artes Visuais da Universidade de Brasília, doutor em Educação pela Universidade de São Paulo, mestre em Educação e bacharel em Artes Visuais pela Universidade Federal de Goiás. Integra a rede Another Roadmap for Arts Education desde 2015. É pesquisador associado do Centre for the Study of the Networked Image da London South Bank University, no Reino Unido, desde 2018.

 

Conheça a dupla premiada da categoria Camisa Educação

Andréa Hygino e Luiza Coimbra (Rio de Janeiro, RJ) propuseram para a categoria especial Camisa Educação o projeto Saída de Emergência, que relaciona a educação à imagem de uma escada ascendente.

 

Conheça os finalistas

ARTISTAS

Anápuáka Muniz Tupinambá Hã hã hãe (Rio de Janeiro, RJ) inscreveu o “YBY Festival de Música Indígena Contemporânea”, um projeto que promoveu mais de 30 apresentações musicais indígenas, realizado em novembro de 2019 por um grupo de comunicadores, produtores, músicos e ativistas da causa indígena, que reuniu mais de 3 mil pessoas de mais de 50 etnias.

Anne Magalhães (São Paulo, SP) inscreveu o “Arte na Janela”, um projeto que pretende forçar os limites e encontrar os alinhamentos possíveis entre as artes do corpo e a língua dos sinais, por meio do registro e publicação de interpretação de músicas e poesias. 

Antonio Tarsis de Jesus Miranda (Salvador, BA) inscreveu “Genocídio Simbólico”, uma série de objetos e bordados que tratam sobre o apagamento do aspecto bélico e da simbologia de extermínio presente em brasões militares em oposição à imagem da segurança pública.

Gustavo Caboco (Curitiba, PR) inscreveu “Baaraz Kawau – Campo após o fogo”, uma publicação de fundo autobiográfico feita em resposta à atualização da memória dos povos Wapichana como uma proposta de diálogo com as atualidades indígenas. 

Renata Aparecida Felinto dos Santos (Crato, CE) inscreveu “AMOR-Tecimento”, um trabalho de oficina com culminância em uma performance que busca resgatar o olhar amoroso e empático sobre os corpos de pessoas negras.  

 

FORMADORES

André Vitor Brandão da Silva (Petrolina, PE) inscreveu “Mostra Flutuante de Artes Visuais”, um espaço de formação de artistas e de públicos no Vale do São Francisco organizado em torno de uma exposição feita em um barco que transita entre as margens de Petrolina e Juazeiro.

Eduarda Gama Canto (Cachoeira, BA) inscreveu “De Hoje a Oito”, um programa literário de rádio e podcast construído envolvendo escritoras/es do Recôncavo da Bahia e promovendo o engajamento com fazedoras/es culturais da região.

Galeria REOCUPA (São Paulo, SP) inscreveu “O que não é floresta é prisão política”, exposição coletiva realizada na Ocupação 9 de Julho, feita através de trocas e convívios entre uma rede de artistas, integrantes do Movimento Sem Teto do Centro e moradores da Ocupação.

Lara Ovídio de Medeiros Rodrigues (Baixada Fluminense, RJ) inscreveu “Revista VAN”, uma publicação semestral que surgiu da necessidade de produzir imagens de moda que dialoguem com a Baixada Fluminense e compila imagens realizadas pelos estudantes do Curso Técnico de Produção de Moda na disciplina Editoriais de Moda. 

Tarcisio Almeida (Salvador, BA) inscreveu “Práticas Desobedientes”, um programa de formação para jovens artistas com foco em aprendizagem coletiva e pedagogias libertárias, fruto das ações de extensão da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

Vicenta Perrotta Neto (São Paulo, SP) inscreveu “Arte, Cultura e Costura”, projeto de formação idealizado em parceria com o Coletivo Ateliê TRANSmoras e o Instituto Tomie Ohtake, em busca por linguagens que estimulem o desenvolvimento pessoal e o autoconhecimento de mulheres em situação de vulnerabilidade social.

 

SERVIÇO
3º Seminário seLecT Arte e Educação
15, 16, 17 e 22 de setembro, das 16h às 18h, online

  • Palestras de abertura com Luis Camnitzer e Dora Longo Bahia – 15/9 (terça-feira), das 16h às 18h, via plataformas digitais da revista seLecT
  • Apresentações de finalistas – 16/9 (quarta-feira) e 17/9 (quinta-feira), das 16h às 18h, via Zoom, com inscrições pelo Sympla (link para apresentações dos artistas | link para apresentações dos formadores)
  • Palestras de encerramento com Sepake Angiama e Tainá de Paula – 22/9 (terça-feira), das 16h às 18h, via plataformas digitais da revista seLecT
  • Anúncio de premiados – 22/9 (terça-feira), das 18h às 18h30, via plataformas digitais da revista seLecT